As temperaturas dessas últimas semanas em alguns estados brasileiros assustaram. Um outono que parece ter anunciado a face de um rigoroso inverno. Frio, e ao mesmo tempo bastante úmido. Em junho, na cidade de São Paulo, por exemplo, choveu quatro vezes mais que a média esperada para o período. Tenso! Intenso! Denso…

Ano passado (2015) não me recordo de frio semelhante. Mas como gostamos dele fomos procurá-lo em local em que costuma ser avassalador para a realidade brasileira. Dia 09 de julho, feriado e aniversário de casamento, fomos passear em São Joaquim, ícone das serras catarinenses, terra da neve brasileira. Local onde sempre desejei ir e minhas parcerias com a Assembleia Legislativa de Santa Catarina nunca me levaram para palestrar. E olha que já fui para Rio Fortuna, Joinville, Blumenau, Rio do Sul, Chapecó, Florianópolis… Até no Pavilhão da Mandioca de Trombudo Central eu falei! Mas nada de São Joaquim. Pois bem: se não fui a trabalho, fui com a Ka a passeio. E por lá descolei até casa para ficar. Um grande amigo nos emprestou um sítio delicioso. Morada rústica, vida no campo. Fogão a lenha no meio da sala, casa de madeira, cachorro, ovelha, aves e a pecuária. Pinhão, aranha embaixo do colchão, nada de TV, sinal de celular ou mimos tecnológicos. Por sinal, um parênteses aqui: que delícia passar uns dias sem essa parafernália moderna. O tempo passa manso, o dia rende. O máximo que tínhamos era um rádio FM com alguns CD’s antigos. Perfeito!

Mas obviamente, a despeito de todo esse ambiente rústico e amável, o que desejávamos mesmo era o tradicional vinho -e nesse caso os famosos “vinhos de altitude”. E São Joaquim é destino promissor. Primeiro porque simpaticamente tem uma loja – a famosa, completa, meio desorganizada e essencial Casa do Vinho – que reúne num único local tudo o que se produz em Santa Catarina – ou grande parte disso. O atendimento é caloroso, o pessoal super atento e a variedade imensa. Fico, por sinal, me perguntando se precisava ter vinhos de outros países ali.

Segundo porque entre São Joaquim e Lages se localizam ótimas vinícolas, estruturadas e capazes de produzir vinhos honestíssimos, não muito caros por lá e em boa parte das vezes com potencial respeitável de guarda – eu arriscaria facilmente de cinco a sete anos. Os tintos são feitos, em grande medida, à base de Cabernet Sauvignon e Merlot, com certa passagem por barrica e eventuais presenças de outras castas para a oferta de um semblante singular. Visitamos, ao todo, duas vinícolas nessa passagem: a Villagio Basseti e a Villa Francioni. Na primeira um grupo pequeno, uma casa pré-fabricada que servia de estande e parecia aguardar estrutura mais ampla, uma taxa de visita convertida em vinhos no final do passeio e um dono extremamente amável, elegante e absolutamente disposto ao diálogo sobre as potencialidades da região. Em sua vinícola, detalhadamente mostrada e comentada, nos impressionaram dois Sauvignon Blanc – um envelhecido em barrica, o Donna Enny, e o outro sem carvalho e atendendo pelo nome da casa e da uva. Dois vinhos corretíssimos que merecem ser bebidos com muita atenção – a mesma que a casa nos ofertou. De lá ainda trouxemos o Primiero, um Cabernet Sauvignon que está guardado.

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Na segunda vinícola a mesma taxa, a mesma possibilidade de converter o valor em vinho e uma estrutura bem maior. A visita à Villa Francioni é feita às dezenas, mesclando curiosos e entendedores, num espírito bem turístico que já não nos agrada mais em virtude de nossas experiências. Mas a despeito dessa minha arrogância, a casa impressiona pela pujança. Sonho que seu idealizador não viu completo em virtude do falecimento, a visita é repleta de simbolismos e histórias de quem sonhou com um vinho bem feito e realizou plenamente o desejo. Na sala de provas que lembra o ambiente da Vila Tondônia, na Rioja, encontramos o mais conhecido rótulo da casa: o corretíssimo Joaquim tinto, que possui linha completa com rosado, branco e espumante (esse não agradou tanto). Mas a vinícola também faz vinhos merecedores de mais atenção, como o VF Rosé (muito bom e em linda garrafa), o VF rosê brut (bom) e o Francesco (ótimo).

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Na cidade, infelizmente, ainda falta um pouco mais de estrutura para o turismo. Fica a sensação de que ainda se vive a dúvida entre a maçã – super plantada e capaz de render um suco delicioso  – e a uva para os vinhos. Ademais, faltam restaurantes sofisticados, uma rede hoteleira mais estruturada e uma gastronomia mais ousada – se bem que algumas vinícolas que não visitamos ofertam experiências interessantes em matéria de harmonização. Uma delas é a Monte Agudo, cujo tinto a base de Cabernet e Merlot é bem simpático. Para completar a lista de vinhos de São Joaquim eu registraria aqui os tintos da Quinta da Neve – sobretudo aqueles que à clássica combinação acima citada oferece uma opção adicionando Sangiovese e outra com Touriga Nacional.

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A viagem, no final das contas, nos deu a impressão que a região está se preparando para explodir em alguns anos em matéria de enoturismo. Para completar o cenário de atrações, destacaria a possibilidade de subir até São Joaquim pelos tortuosos caminhos da Serra do Rio do Rastro, uma experiência que exige paciência do motorista, bom estado do carro e que recompensa de forma absoluta quem se aventura atrás de vistas deslumbrantes. E descer por Urubici, uma cidade que se dedica fortemente ao turismo de aventura ou natural, algo que completa bem demais a busca por vinhos. As paisagens são belíssimas, a tranquilidade plena e a diversão garantida. Por sinal: não fossem tão caros em São Paulo e tão difíceis de serem encontrados em Florianópolis – a dica é a Essen Vinhos no centro da capital – e os catarinenses teriam maior peso no mapa do vinho nacional.