Um dos primeiros pontos de degustação em que paramos no Vinhos de Portugal 2019 estava reservado para a Caves Cavalinho e a Encosta do Rio Galego. Era o número 28, e fomos guiados pela curiosidade de entender se o rio teria algo a ver com a Galícia, supostamente localizado ao norte do país, onde temos família. Nada disso. A propriedade fica no Tejo e seu rosado nos agradou bastante. Mas nada se compara ao que nos disse Vitor da Gama, um simpático senhor português, sedutor, orgulhoso de suas netas que nos mostra em fotos guardadas no celular. Risonho, nos deixa a mais deliciosa das lições, uma velha conhecida que sempre nos faz sentido visitar: “o vinho constrói grandes amizades. Essa é uma das essências do vinho, as amizades”.

Era quinta-feira dia 06 de junho e meu telefone tocava pela segunda vez com um número desconhecido. Não costumo atender quando o identificador de chamadas é bloqueado, mas resolvi arriscar. Talvez estivesse mais bem-humorado. Do outro lado um forte sotaque de Portugal se identificava como jornalista e pedia uma entrevista. Inicialmente atendi a solicitação entendendo que seria uma conversa telefônica, mas o evento seria filmado e deveria tratar dos cinco meses do governo brasileiro. No dia seguinte, pontualmente às 8h30 eu recebia dois jornalistas portugueses e uma fotógrafa em minha casa, com aparato de filmagem e tudo o mais. Percebi rapidamente que o nível da conversa seria muito alto pela lucidez das perguntas, preparo aguçado, equilíbrio das percepções e respeito com o que debatemos. Lembrei de algumas raras entrevistas onde o objetivo do profissional é saber a opinião do interlocutor, e não descolar boas aspas para um texto apressado. Ficamos pouco menos de duas horas juntos, e não faltou assunto, até mesmo elogios absolutos ao jornalismo ali praticado e reflexões sobre as dificuldades atuais da carreira. Foi uma das entrevistas mais agradáveis, a despeito do espinhoso assunto, que dei até hoje. E olha que são 17 anos de contato com a imprensa.

Já sem os microfones e com a sensação de que tinha feito um bom trabalho, sobretudo por conta do excepcional método dos portugueses, não resisti a uma investida no universo dos vinhos. Aqui a conversa fluiu de maneira fácil, e notei que meus convidados ficaram à vontade demais. Foi quando ele me convidou para o evento no shopping JK Iguatemi no final de semana. Disse-me que estaria por lá com uma humildade estonteante. Consultei a Ka, tratamos por WhatsApp e fomos ao evento. Não sem antes tentar entender do que se tratava. E com enorme destaque lá estavam os profissionais que me entrevistaram como palestrantes: Manuel Carvalho é diretor e jornalista do jornal Público, bem como escreveu os livros “Guia do Douro e do vinho do Porto”, “Ilha de Xisto”, dedicada ao Douro, “O Vinho no Tempo da Guerra” (em coautoria com António Barreto) e “Cores do Vinho Verde”, o livro de referência da região. Em 2014 recebeu o Prémio Gazeta de Imprensa, o principal do jornalismo português. Alexandra Prado Coelho, por sua vez, é jornalista do Público desde o início do jornal, em 1990, e depois de trabalhar na editoria Mundo passou a se dedicar à gastronomia e alimentação. Que fantástico!

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Encontrei a dupla na ala aberta do evento, sob um sol delicioso de outono. Sorrisos largos, receptividade mais calorosa que o habitual. Comecei me desculpando pela indelicadeza de ter falado sobre vinhos com eles. Logo eu, apenas um amador apaixonado. Rimos, e a elegância dos anfitriões me deixaram à vontade. Assistimos a uma palestra de Manuel em parceria com um vinicultor ligado a negócio da alentejana Esporão no Douro, 20 minutos e uma temática interessante que valorizou o solo, a diversidade do norte e a riqueza do vinho mais natural possível, ou seja, com menos interferência do que chamaram de maquiagem. Exatamente como os jornalistas se mostraram para mim: puros, sem maquiagem, com um profissionalismo contagiante e um sabor muito agradável de novas amizades. Obrigado!

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