Cidades grandes tornam alguns negócios incomuns mais sustentáveis, o que obviamente permite que nasçam e sobrevivam. Viver em São Paulo é descobrir coisas únicas, frutos de um acúmulo mundial de criatividades que por aqui se juntam. É assim em diversas cidades do mundo. Em abril estive em Harvard para um curso na escola de gestão pública e ouvi de um dos professores que os cérebros precisam circular. Perfeito. É isso, as mentes se movimentam e desvendamos tendências incomuns e deliciosas.

Semana passada estivemos, eu e a Ka, com um casal de amigos, no Jardim dos Vinhos Vivos. Imagine uma casa, num bairro de noites bem agitadas (Vila Madalena), com um aconchegante jardim nos fundos contendo pequenas árvores, canteiros com garrafas e algumas poucas mesas. Iluminação especial, garrafas de água, taças, pratos e talheres. Uma cozinha coberta com boa bancada e uma sala com rótulos bem especiais do mundo dos vinhos, em sua maioria biodinâmicos e orgânicos – por mais que esses termos ainda mereçam definições mais claras. Poderia ter ficado a noite toda naquele ambiente lendo rótulos e desvendando novidades. Em reportagem que li sobre o local vi que seus donos o descrevem como um espaço de convivência, quase uma extensão de suas casas. Pois bem, o fato é que chegamos às 20h30, saímos mais de 2h da manhã e efetivamente me senti em casa. Só faltou perguntar onde era o chuveiro, escovar os dentes e dormir.

E aqui vem o que nos faz ter essa sensação. O espaço é utilizado para diferentes eventos. De provas de vinhos a almoços harmonizados. Mas o que mais nos deixou à vontade foi levar a própria comida mediante uma reserva feita por telefone por nosso casal de amigos. Escolhemos algo bem simples e nada trabalhoso: três tipos de embutidos, dois queijos especialíssimos e uma excelente cesta de pães variados. Pronto. E por lá: mão na massa. Chegamos, utilizamos facas, tábuas e uma série de utensílios, montamos a mesa do nosso jeito e começou o que houve de mais especial. Analu Torres, a proprietária, extremamente simpática, atenciosa e apaixonada pelo mundo dos vinhos, com experiências e histórias saborosíssimas, nos ofereceu servir vinhos às cegas de acordo com uma combinação de valores (R$) e com base no que viu que estávamos comendo. Uma delícia! Genial. O vinho escondido num simpático saquinho de pano ou respirando num decanter. Respostas só no final da garrafa, com várias perguntas e provocações. Muito legal.

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Ao todo foram quatro rótulos, mas um deles foi uma escolha pessoal minha, que tinha como objetivo provar uma uva inédita para nós. Um uruguaio, o De Lucca reserve, 100% marsanne. Não gostei. Então vamos passar para o que de fato ocorreu de mais especial. Vamos descrever as três outras garrafas, todas francesas. A primeira veio de Jurançon, Pirineus, região grudada na Espanha, 200 quilômetro ao sul de Sauternes, e 300 quilômetros de Carcassone, em direção ao Atlântico, deixando o Mediterrâneo para trás e seguindo para Biarritz. Um branco feito a base da uva gros manseng que casou perfeitamente com um dos queijos, de cabra. Delicioso.

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Foto: vinícola.

 

O segundo vinho foi um “Rouge!”, francês do Rhone, obviamente tinto (pelo nome!), bem feito, mais leve do que costumo gostar, mas nitidamente correto. Foi uma experiência agradável, mas a noite estava um pouco quente e quando dávamos sinais de parar vieram os ensinamentos. Analu nos contou que os franceses têm vários ditados associados ao mundo do vinho, e num deles, que não saberei reproduzir aqui, o espírito é o seguinte: fechar com um vinho branco oferece uma energia nova, realegra a noite. Lembro-me que a expressão diz que terminar com um vinho branco permite que o carteiro tenha força para subir em sua bicicleta e voltar ao trabalho de entrega. Perfeito! Foi o que ocorreu. Um chardonnay da Borgonha foi o catalizador de nossa reanimação. A garrafa não era nada jovem para um branco, 2010, e o vinho já trazia um pouco de laticínio passado em seu aroma. E isso o tornou ainda mais especial. Produzido por Eric e Emmannuel Dampt foi a experiência que mais me inspirou a escrever esse texto, e me fez entender claramente porque a casa atrela a palavra “VIVOS” aos seus VINHOS. Que belo jardim! Que noite deliciosa.

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Foto: Vivino