Que eu gosto de vinho uruguaio, e os considero melhores que chilenos e argentinos, quem passa por aqui já percebeu. Assim, quando vou ao país preciso, ao menos, conhecer um bom produtor. Dessa vez realizei uma daquelas tradicionais visitas em que um grande amigo de uma das maiores importadoras brasileiras me indica. Faz uma diferença tremenda, sobretudo porque, no caso que vou relatar, a casa é familiar e não está estruturada para o enoturismo – o que indiscutivelmente torna o instante único.

Os Pisano tem seu nome historicamente associado ao vinho uruguaio. Localizado no departamento de Canelones, poucos quilômetros de Montevideo, seus dois produtos mais conhecidos são: a linha “Rio de los Pajaros Pintados” e a família de rótulo amarelo, onde se destaca a sigla RPF. Fica localizada próxima de casas como a Pizzorno e a Castillo Viejo, na cercanias de Las Piedras, cidade onde almoçamos boa carne no Pobre Acuña, possivelmente um parente menos abastado que o brasileiro Pobre Juan, mas igualmente digno.

Na chegada à Pisano, depois de uma série de desencontros de minha agenda que me deixou expressivamente desconcertado, pois “tudo parecia conspirar para a não visita”, fui recebido por Nicolás, vizinho da família que ali trabalha com exportação. Um jovem simpático que entende muito das cerca de 20 variedade plantadas ali e do carro chefe do país e da vinícola: a uva Tannat, e todas as combinações feitas pela casa a partir dela. Alguns minutos de boa conversa e percorremos um pequeno pedaço dos vinhedos, as instalações da produção e a sala de barricas. Tudo muito pequeno, bem equipado para uma casa de dimensões menores e planejado com cuidado.

Foi quando se juntou a nós Daniel Pisano, um dos três irmãos que controlam a empresa. Quando soube que o trio de brasileiros que ali estava participava de um congresso de ciência política não foi pouco o tempo que dedicou às nossas percepções acadêmicas e conjunturais. Mas também foi longo o assunto sobre vinho: Daniel é extremamente bem humorado, adora contar ótimas histórias e em analogia à fabricante de whisky Johnnie Walker, ele mesmo diz que Daniel Talker. Foram três deliciosas horas de uma conversa muito agradável regada a oito garrafas de vinho. Nos chamou muito a atenção a forma como a Pisano mescla a ciência, a tecnologia e a pesquisa, à percepção de que vinho tem que ter a cara da vinícola, uma característica que Chile e Argentina perderam em seus vinhos mais acessíveis, e no Uruguai parece sobrar nas principais casas. Assim, não existiria vinho uruguaio, mesmo que a Tannat o caracterize tão bem e eu siga insistindo que aqui é terra de vinho branco. O que existem são cerca de 20 casas e suas produções próprias com DNA único.

Nesse sentido: o que se faz de especial na Pisano? Para além de Daniel, alguns vinhos muito bons. O primeiro deles é um espumante. Ele nos conta que os irmãos, guiados pelos técnicos da casa, sempre fazem provas e experiências até chegarem em bebidas de boa qualidade. Pois seu espumante blanc de blancs, feito em produção mínima a partir de método tradicional, que recebe no lugar do licor de expedição uma dose de um viognier envelhecido, é algo superior. Em seguida, um branco feito da uva torrontes, algo raro fora dos limites da Argentina. E lá está uma bebida perfumada como a “de los hermanos”, mas que na boca tem um frescor raro e extremamente agradável – gol do Uruguai. No campo dos tintos, três vinhos especiais: o Tannat RPF reserva, muito equilibrado; o fantástico gran reserva, a base de Tannat, Pisano Arretxea – esse segundo nome em homenagem à família basca materna que sempre reclamou de estar fora dos rótulos e ganhou a mais fantástica das homenagens – e; por fim, um licor de Tannat digno dos melhores vinhos fortificados que tomei. Uma belíssima visita, em uma pequena sala repleta de garrafas e recordações, incluindo fotos com histórias curiosas dos irmãos.

Para completar o tour Pisano pelo Uruguai, além de comprar um Arretxea e um torrentes no supermercado, bebemos outras três joias que raramente vão ao Brasil em nossas refeições pelo país: o 60/40, blend muito equilibrado de merlot com tannat; o trebiano toscano, um branco leve que acompanhou bem demais um prato com camarão; e, por fim, o genial Verde Virgen, feito de chardonnay, sauvignon blanc e moscatel bianco. Com leves borbulhas e a partir dessa primeira uva tinha tudo para me desagradar, mas nada disso: o Uruguai é mesmo um lugar em que cada casa coloca identidade única no que faz, e a Pisano faz isso bem demais.