Nestas últimas férias, em 31 dias viajando dormi em 15 camas diferentes. Por vezes penso que exagerei, por outras fico pensando na quantidade imensa de lugares novos e geniais que conheci. Estudei, apresentei  trabalho em congresso, revi a família, encontrei amigos queridos e, principalmente, curti duas semanas intensas com a Ka pela França. Alguns hotéis foram escolhidos por eliminação, enquanto outros foram garimpados cuidadosamente. Nesses eu contei os dias para chegar, sobretudo em dois deles. O primeiro em Arbois, a cidade dos vinhos do Jura sobre a qual já falei. O segundo em Narbonne.

Final de viagem, tudo o que mais precisávamos era de um local aconchegante, elegante, confortável e capaz de nos render um pouco de descanso. Foi isso o que encontramos no Domaine de La Ramade. No Booking dizia que a casa falava espanhol e inglês, e depois de mais de dez dias nos esforçando para falarmos um francês limitadíssimo, o que mais queríamos era entender e ser entendidos. Essa parte ficou para uma outra ocasião…

Pela estrada repleta de curvas e vinhedos, numa das centenas de rotas de vinho da França, encontramos nossa hospedaria no Languedoc. Uma belíssima propriedade, nova e totalmente construída por um orgulhoso dono – que nos recebe bronzeado, elegante e sorridente em seu francês recheado por frases no imperativo e algumas mímicas. Ótimo! O que entendi depois de nos mostrar um apartamento grande com dois quartos e um banheiro era que podíamos ficar à vontade, utilizar a belíssima piscina e comprar seu vinho para beber entre um mergulho e outro. Perfeito. E foi isso o que fizemos. Já devia passar das seis da tarde, o sol ainda alto, algumas nuvens, uma bola de plástico na piscina e dois turistas na tarde de uma quinta-feira jogando vôlei dentro d’água enquanto apreciavam um simpático e adocicado blend à base da desconhecida Bourboulenc – o Les Murailles. Genial! De lá para o supermercado e no quarto um jantar com guloseimas e um Chardonnay do Jura que estava divino. Dia perfeito!

La Ramade

Fonte: Vinícola

Na manhã seguinte “povo pra praia”, com o objetivo de molhar os pés em águas muito tranquilas e já vistas, mas nunca sentidas. Narbonne é, na verdade, Narbonne e Narbonne Plage. A parte histórica e mais urbana fica na primeira, o Mediterrâneo na segunda. Não sei dizer se é tudo a mesma municipalidade, mas entre elas fica exatamente a pequenina região de montanhas onde estávamos hospedados e rodeados por quilômetros de vinhedos exuberantes. De volta ao hotel, e após comermos um belíssimo sanduíche, procuramos o proprietário para que nos apresentasse de maneira formal ao seu vinho. Confesso que assimilei cerca de 60% das explicações em francês. A propriedade onde ele vive com a família em grande estilo foi comprada faz alguns anos. Nada do que está lá em termos estruturais existia. Faz menos de uma década construiu casa, hospedaria, vinícola e parece bastante feliz com o que tem. Seus vinhos brancos são bons, mas não nos agradaram tanto, talvez pela doçura. O rosê também fica um degrau abaixo dos grandes que bebemos, e ele faz questão de dizer que trata-se de algo mais feminino – não gosto muito dessa história de aplicar análises de gênero aos vinhos, mas paciência.

Quando começam os tintos a brincadeira muda completamente. Primeiro um vinho diário, de entrada, feito de Syrah. Bem correto, honesto demais para o preço e descrição do produtor. Garrafa bordalesa e rótulo que foge ao estilo dos demais. Em seguida quatro vinhos em garrafa da Borgonha, todos feitos a partir de Syrah, Garnacha e Mouvedre. O que muda então? Nosso anfitrião explica: a localização dos vinhedos, a exposição à madeira e alguns detalhes da preparação. Mas ele garante: é tudo praticamente a mesma proporção das uvas, e a diferença está em selecionar, separar e produzir de formas distintas. Belos resultados são alcançados. O mais caro, Cuvée Julie, custa 50 euros. Lembrei de minha passagem por Andorra, quando desisti de um vinho curioso, e não resisto. Aqui não havia curiosidade, mas sim a prova de uma bela bebida. Ela veio para o Brasil, para quando aberta me ofertar o exato sentimento de grandeza transmitido por aquela belíssima e aconchegante casa.

La Ramade 2