Comprar uma garrafa de vinho, levar pra casa e beber. É isso que a maioria das pessoas faz. Não está errado, é claro. Afinal de contas, compramos vinho pra beber. Mas isso nem sempre funciona desse jeito. O que vou tentar argumentar aqui não deve se transformar numa paranoia, afinal de contas, a própria indústria do vinho produz bebidas com diferentes propostas. Desse modo, vamos dividir esse universo em dois grandes blocos: os vinhos que devem ser bebidos na hora certa e os vinhos que devem ser bebidos a qualquer hora. É sobre o primeiro bloco que vou me dedicar aqui.

Ao tempo deve ser acrescida uma exigência fundamental: o local para armazenamento. Um bom vinho, que mereça ser bebido na hora certa, deve ser guardado num lugar correto e de maneira adequada. A melhor opção são as adegas climatizadas, sem isso tudo perde grande parte do sentido. Faz alguns anos encontramos na cozinha da casa de meu sogro, na quente Natal-RN, um Abandonado – de Alves de Souza – descansando num pequeno armário. Trata-se de um vinho de quase cem euros em Portugal, uma dessas joias que costumam ser vendidas na casa dos mil reais no Brasil. Tempo de guarda sugerido pela própria vinícola para a safra 2007, que bebemos: mais de 20 anos. Tempo sugerido pelo Cellar Tracker: beber entre cinco e quinze anos da data da colheita, ou seja, de 2012 a 2022. Como não sabíamos quantos meses ele estava naquelas condições no nordeste, trouxemos para São Paulo, demos a ele um excelente lugar na adega e fizemos um trato com meu sogro: beberemos juntos lá em casa. Foi no dia dos pais de 2013, acompanhando um cordeiro. Um dos melhores almoços da história de nosso lar, com um vinho irretocável e merecedor de um caminhão de prêmios.

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Fonte: Wine-Searcher

Assim, voltemos: existem vinhos que precisam ser bebidos na hora certa. Estabeleça como uma boa linha de corte algo na casa dos R$ 150. A partir desse valor, pensando nos preços praticados no Brasil e a despeito de quanto pagou no exterior, cuide do tempo se tiver uma adega. O principal desafio aqui é conter a ansiedade e a insegurança. Em 2012 fui a Portugal para um congresso e comprei um Valbuena Nº 5 2005 por cerca de 90 euros. Ele está na adega desde então, com data de abertura prevista para 2019 de acordo com pesquisas que realizei. As fontes, como ficou claro acima, são as próprias vinícolas e seus sites, os rótulos que por vezes informam tempo de guarda e o Cellar Tracker. É com base nisso que descobrimos a “hora certa” – que você pode pensar que é “qualquer hora”. Não tem problema, mas lembre-se que quando produz algo especial a vinícola quer lhe oferecer uma experiência fantástica. E parte dela será perdida se não observar o que existe de mais especial naquela bebida.

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Fonte: vinícola

Dia desses, consultando minha planilha de vinhos, encontrei um Tapada de Coelheiros Garrafeira 2008, adquirido diretamente das mãos do proprietário da vinícola numa visita genial. Era pra ter sido bebido em 2017, e foi muito bem tratado desde que saiu de Portugal em janeiro de 2015. Abrimos a garrafa faz uma semana. Fizemos a primeira prova, e o vinho estava bem fechado. A noite era quente e o mantive a 16 graus todo o tempo. Depois de duas horas aberto nos deu o máximo que podia oferecer, mas ficamos com a sensação de que não tinha o mesmo vigor – perceba, a antítese da ansiedade é o zelo exagerado, até certa dose de insegurança, e a “não abertura” esperando um momento especial pode findar estragando o vinho. Em relação ao nosso Garrafeira, podem ser apenas sentimentos, mas um ano antes e estaria perfeito. No Vivino os comentários de 2017 pareciam mais entusiasmados que as observações mais recentes. Paciência. Por sinal, essa é a palavra de ordem com os vinhos mais caros. Paciência.

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Fonte: Garrafeira Veneza