Posso revisar esse texto quantas vezes forem necessárias, bem como tentar reescrevê-lo de diversas maneiras, mas não sei se conseguirei transmitir tudo o que senti nesse dia. Tem momentos em que a busca pela perfeição e o acaso se juntam de forma tão harmônica que passamos a acreditar com ênfase no quanto estamos sendo iluminados.

Chegamos à Monforte d’Alba depois de duas semanas intensas de viagem por lugares mágicos. Era junho de 2014, e tínhamos passado por Milano, Torino, Provence e Monte Carlo. Em plena Copa do Mundo “fugimos” do Brasil logo após a estreia da seleção contra a Croácia e só fomos aparecer às vésperas das quartas de final contra a Colômbia. Dia 25 de junho estávamos chegando ao Piemonte, terra do Barolo, o “rei dos vinhos e o vinho dos reis”. Era nosso nono aniversário de casamento no civil e nos hospedamos numa vinícola familiar chamada Ca’ Brusà, próxima à Monforte e seus pouco menos de dois mil habitantes.

Naquela noite tudo tinha que ser perfeito, pois aniversário de matrimônio no norte da Itália, terra de vinho, não é sempre que se passa. Na cidadela existiam poucos restaurantes, e depois de estacionarmos o carro numa praça e andarmos alguns metros pelas ruas vazias, começamos a subir uma ladeira que parecia nos levar aos poucos locais capazes de nos oferecer um mínimo de romantismo. Foi quando encontramos o simpaticíssimo Osteria Dei Càtari, numa espécie de pequenina praça, com ar de simpático beco. Alguns degraus internos e chegamos a um aconchegante salão onde um aroma alucinante tomava conta do ambiente. Bebemos um Langhe (uma das denominações de origem dos vinhos locais) feito a base de Nebbiolo, a principal uva dos Barolos. Estava genial, e ainda está lá, na carta de vinhos do simpático restaurante: um Parusso, casa que começa a contar sua história em 1901. Para além de uma comida divina e de um vinho maravilhoso, uma gatinha se deitou numa das cadeiras que sobrava em nossa mesa e nos fez sentir saudades de casa, depois de tantos dias distantes.

Langhe    IMG_2650

Fonte: vinícola e arquivo pessoal

O jantar perfeito, um ambiente mágico, só faltava voltar para o hotel. O carro, no entanto, estava na praça e era necessário caminhar um pouco. Descemos a ladeira e a estrada que cortava a cidade se estreitou à nossa frente. Ao atravessar esse pequeno trecho, onde algumas pessoas conversavam segurando taças às portas de um bar que fazia trocadilho óbvio com a palavra Barolo, ouvimos alguns instrumentos no que parecia ser um ensaio musical. O som vinha de um mezanino em meio à estreita passagem. Como a música agradava, subimos uma pequena escadaria para ver o que ocorria. A surpresa não poderia ser mais genial e nos oferecer algo especial em nossa noite.

Um quinteto de jazz fazia ajustes para iniciar uma apresentação ao ar livre. Logo descobrimos se tratar de evento do próprio bar. E nada pareceu mais óbvio do que comprar duas taças de Barolo e assistir ao espetáculo. Não sei exatamente que vinho bebemos, só sei que sai do local com duas peças de arte nas mãos, de alguma produtora de cristais de extrema elegância: “levem as taças pra fora. Fiquem à vontade! Assistam ao show!” me disse uma simpática e jovem atendente após receber alguns poucos euros por um vinho espetacular que deve custar fortunas aqui no Brasil. Sentamos em torno de uma mesa em forma de barrica e parte do show assistimos sozinhos no mezanino, enquanto na parte de baixo as pessoas bebiam e conversavam. O máximo que tivemos foi a companhia de mais um ou dois casais. Praticamente um espetáculo privativo. Após alguns minutos de música os artistas pararam e foram avisados que o barulho incomodava a pequenina cidade. Desmontaram rapidamente os instrumentos e se alocaram na parte de baixo, em frente ao bar. Voltaram a tocar, e como insistimos em prestigiar puxaram assunto conosco. Mais duas taças foram compradas e quando descobriram que éramos brasileiros nos brindaram com algumas obras geniais de nosso maestro mais celebrado: Tom Jobim.

 

Barolo Bar IMG_2678

 

Da perfeição ao acaso, nossa noite em Monforte d’Alba foi simplesmente maravilhosa, celebrando intencional e casualmente o que existe de mais perfeito entre nós: o casamento. Saúde! Que um dia possamos voltar ao Piemonte, seu vinho e gastronomia esplêndidos, bem como ao seu jazz casual e surpreendente.

 

Fonte das imagens do bar: TripAdvisor, sendo que a foto diurna de um viajante é tirada da praça-mezanino onde estavam os músicos inicialmente, dando a exata dimensão de onde ficava o bar de onde saímos com as taças. A foto noturna, com a banda já reinstalada, é de nosso arquivo pessoal.