Gosto tanto dessa uva que não se trata de qualquer novidade falar dela aqui. E no último final de semana o intuito era muito claro: fugindo da Galícia, provar dois vinhos a base de Alvarinho / Albariño que viessem de locais pouco convencionais – nada de Vinho Verde lusitano ou dos belos exemplares da espanhola Rías Baixas. Vamos ao desafio!

O Uruguai foi o primeiro país selecionado, mas não vou falar do Garzón, que já mereceu post especial depois da visita que fizemos e de um texto especial sobre essa uva. Dessa vez, por mais que a casa tenha sido explorada, selecionamos algo inédito para nós: um Bouza. Com várias medalhas, o rótulo foi considerado, em 2016, o melhor vinho branco uruguaio pelo Guia Descorchados. Não à toa, em julho, quando estivemos na casa, nada da bebida por lá. Esgotada. E nem adiantou procurar em mercados e no freeshop de Montevideo. Nada feito!

O segundo selecionado é uma surpresa muito bacana. Pra quem pensa que ficaremos no Brasil, nada do Matiz da Casa Hermann, um belo Alvarinho em garrafa da Borgonha, a exemplo da Garzón, que já citamos acima. A ousadia é ainda maior: falamos diretamente de Long Island, New York, Estados Unidos. Isso mesmo: um Albariño 100% vindo diretamente do país famoso por seu Chardonnay, Pinot Noir, Zinfandel ou Cabernet Sauvignon. Vinho da casa Palmer, vinícola da década de 80. O que nos esperava nesse duelo de uvas da Galícia plantadas no continente americano?

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Algumas diferenças estéticas são marcantes. Começamos pelas garrafas: Alsaciana para o uruguaio e bordalesa para o norte-americano. Na vedação: screw cap para o nosso vizinho e rolha sintética para o nova iorquino. Na cor, o americano era de uma transparência quase absoluta, branco, com discreto friso, enquanto o uruguaio trazia um amarelo mais intenso. A partir disso, vamos para a harmonização e percepções mais gerais – lembrando que nosso espaço aqui não costuma promover grandes descrições técnicas.

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O vinho de Long Island é bem praiano, e tem uma doçura mais intensa, apresentando 12,5% de teor alcoólico. Pede comida do mar, com destaque para siri, lagosta e crustáceos em geral. Já ao sul temos algo mais estruturado, e não foi difícil leva-lo com o prato escolhido. Comemos um bom bacalhau, e aqui alguns especialistas criticariam a tentativa de harmonização. Concordo que o americano, por ser um vinho bem delicado e sutil, perdeu bastante. Mas o uruguaio acompanhou bem.

Bacalhau pede tinto, mas o Alvarinho não é um branco comum, sobretudo nas terras lusitanas onde o preparo de tal peixe é popular. Por lá, trata-se da estrela maior no mundo dos vinhos verdes, e costuma se dar bem com bacalhau, sobretudo quando a bebida é mais estruturada. Era o que o Bouza nos oferecia. O casamento não foi perfeito, mas podemos dizer que se deram muito bem. O vinho americano nós desistimos de tomar com a comida e deixamos para depois do jantar. Sua doçura lembrou, até mesmo, alguns húngaros à base de um Furmint menos intenso, e com alguns docinhos ele ficou mais tranquilo. Terminamos o evento com o sentimento de curiosidade e mistério. Se for pra dizer quem se deu bem nessa noite, sem dúvida, a bebida do Mercosul brilhou mais. Mas é impossível dizer que o americano não mereça uma segunda chance, com algo mais apropriado para o que percebemos dele hoje.

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A foto permite notar o amarelado uruguaio e o norte americano mais branco