Até o início de 2007 minha vivência no mundo dos vinhos se restringia a reconhecer a complexidade da bebida, experimentar rótulos comerciais e adaptáveis ao bolso, sem compreender de fato aquele universo. Na casa de uma família de amigos devo ter me deparado, sem entender nada do que via, com as mais valiosas garrafas desde minha infância. Passei por lá sem experimentar muito, e tenho certeza que perdi ótimas oportunidades.

Foi em 2007 que a Ka começou a trabalhar num bistrô conjugado a uma loja de vinhos. A partir de então ouvi com clareza e atenção algo sobre o conceito de harmonização – a combinação entre comida e bebida, que no Uruguai, em 2011, umas colegas argentinas me disseram que traduzem por maritaje (casamento em espanhol). A partir de então achei algumas experiências trazidas pela Ka fantásticas, e comecei a perceber que a brincadeira podia ficar interessante.

No Carnaval daquele ano fomos para as Serras Gaúchas. Além do tradicional roteiro Gramado-Canela, bem desgastado, visitamos também a região de Bento Gonçalves. Por lá nada do batuque do samba, mas uma feira de vinhos bem estruturada e interessante. Ficamos hospedados numa vinícola simples e visitamos, em dois dias, cerca de seis casas. Lembro-me bem da Valduga, Salton, Don Giovanni, Amadeu, Geisse e Chandon.

A partir dessa amostra inicial algumas coisas ficaram claras: existem visitas mais técnicas, e outras bem superficiais. Existem casas mais abertas – e no Rio Grande do Sul elas eram BEM receptivas – e outras mais tímidas no que mostram. Algumas cobram o passeio, dão brindes embutidos no preço, convertem o valor em vinhos ou simplesmente se abrem para uma boa conversa. Existe uma lógica de grandes grupos turísticos ou de uma atenção pontual do dono para poucos. Em todas as ações algo em comum: a explicação sobre os processos. Todas as casas contam suas histórias e opções de produção enfatizando diferentes aspectos. E essa é a delícia do enoturismo. Desvendar, notar diferenças, ouvir a “aparente mesma história” contada de formas distintas. A partir dessas visitas me apaixonei por esse tipo de descoberta. Outra dica: sempre que visitamos uma casa devemos ter a certeza de como ela nos recebe e sob quais condições. Sites, contatos de amigos, informações nos centros de turismo das cidades nos mostram esse caminho.

Cave Geise

Cave Geise (arquivo pessoal, 2007)

Nesse tipo de evento raramente se fala de ciência política, meu ramo de atividade. E isso me descansa. Ouvir como se faz um vinho é música para os ouvidos. E a partir daquilo começa a degustação. As casas, em geral, servem e explicam uma parte de seus vinhos. Nas visitas mais turísticas são servidos vinhos básicos. É comum também, mas não é regra, a possibilidade de compra. Dessa passagem pelo Rio Grande do Sul vieram algumas garrafas, com destaque para o que a região tem de genial: os espumantes. Guardo até hoje a taça de cristal da Valduga e, na memória, o Casa Valduga Extra Brut Grand Reserva (o quinto da esquerda para a direita na foto), o melhor espumante brasileiro que bebi até hoje. A partir daquele Carnaval nossas viagens passaram a colocar o vinho como tema central, nascia em nós algo fantástico.

Vinhos trazidos das Serras Gaúchas em 2007

Vinhos trazidos das Serras Gaúchas em 2007