Visitar vinícolas é sempre uma satisfação imensa, mas nem sempre conseguimos expressar exatamente o que agrada nossos anfitriões. Duas das maiores gafes que eu e a Ka cometemos em nossas aventuras se tornaram motivos de anedotas. Contamos as passagens, bastante ingênuas, rindo e nos divertindo.

Ambas ocorreram na Toscana em 2014, e nos mostraram que o país tem fortes diferenças regionais, mesmo que os casos sejam bem simplórios. Era Carnaval e decidimos que diante de uma promoção de passagens seria possível conhecer parte da Itália em 10 dias. Nunca tínhamos ido àquele simpático e maravilhoso país. Conseguimos visitar duas vinícolas agendadas diretamente do Brasil. Não vou aqui citar os nomes.

Na primeira delas, próxima de Livorno, um encontro extremamente acolhedor. A vinícola é também uma escola de gastronomia. Uma das proprietárias nos recebeu e levou-nos diretamente para a cozinha onde três casais estrangeiros preparavam o almoço. Um verdadeiro espetáculo. Ali mesmo nos serviram um vinho rose e a conversa parecia unir velhos amigos. A refeição foi numa mesa enorme, com toda a família de proprietários, os alunos e nós, os visitantes. Clima agradável e prova de diversos vinhos da casa. Fantástico. Os tintos eram verdadeiras obras primas. Terminado o almoço fomos conhecer a propriedade com um membro da terceira geração viva da família. Um jovem italiano que adora o Brasil – e principalmente as brasileiras. Numa das etapas da caminhada entramos numa espécie de jardim de inverno repleto de vasos com limoeiros plantados. As pequenas árvores estavam carregadas e, extasiada com a beleza do cultivo, a Ka exclamou: “que lindo, os limões sicilianos!”, disse em português. Foi o suficiente para nosso anfitrião entender, corrigindo bravo e imediatamente: “it´s not Sicilian, it is Tuscany!” (isso não é siciliano, é toscano). Olhamos assustados e seguimos viagem. O formato da fruta era o mesmo, mas a origem faz toda a diferença. Como bom italiano, em poucos minutos o corretor já estava brincando novamente…

limão

Dias depois chegamos a uma vinícola em Montepulciano. A casa era bem mais formal, a visita foi exclusiva e feita com uma das técnicas da propriedade, uma belga mais sisuda que deixou de lado certa brabeza quando sentamos para almoçar e ela descobriu que eu era cientista político. Por sinal, a ciência política abre muitas portas no mundo dos vinhos, e o assunto dos vinhos escancara diversos portões no mundo da política. Curiosidades à parte, estávamos no começo de nosso tour quando ela resolveu nos mostrar parte da plantação. A Toscana rivaliza com o Piemonte no quesito: quem faz o melhor vinho da Itália – para muitos do mundo. Não se trata de uma disputa banal, pois o país que se unificou faz pouco mais de cem anos é bem cindido em alguns pontos culturais. Pois bem: em meio às plantações de Sangiovesi, que é a principal uva da região, eu resolvi perguntar para nossa anfitriã se eles também cultivavam a Nebbiolo, no que ouvi: “Of course not. It is not our grape, it is a grape from the north!” (claro que não! Isso não é nossa uva, isso é uva do norte). Olhei assustado e fiquei quieto, a Ka rindo de mim. A moça não fora nada amável, mas eu também errei feio. Minutos depois lembrei que eu queria ter dito Canaiolo, apontando para a casta que comumente se mistura com a Sangiovesi em alguns vinhos da Toscana. Erramos, e ao mesmo tempo desvendamos como de norte (Piemonte) ao sul (Sicília) as rivalidades ainda se mostram afloradas, ao menos na Toscana.

Canaiolo