Pisei na Europa pela primeira vez na minha vida em 2009. Tinha 33 anos, quase 34. Trabalhava numa empresa em que fui impedido de tirar férias. Na verdade, a negociação foi a mais estranha com a qual me deparei até hoje: “pode viajar, mas depois reponha o horário”. Tenho a mais absoluta impressão que isso só foi dito porque eu estava indo para a Ibéria. Fosse o passeio para uma cachoeira na Serra do Mar e a advertência teria sido: “cuidado para não escorregar na pedra”. Mas isso é só uma impressão. Como aprendi muito lá, o “ideal” é agradecer e rezar por ter podido pagar a conta do cartão de crédito, o gás e a luz.

Foi nessa viagem que visitamos nossas primeiras vinícolas fora do Brasil. Em uma delas estávamos em Évora, uma cidade fantástica do Alentejo, hospedados num Ibis razoável com vista para as muralhas da antiga cidade. Um espetáculo. No dia seguinte, bem cedo, rumamos para a tradicionalíssima Herdade do Esporão, aquela bodega que tem uma torrezinha de castelo como símbolo.

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A casa é charmosa, mas bem grande. E o passeio super turístico. Nos inscrevemos com um grupo e ficamos esperando por uma galera que havia feito uma reserva e estava bem atrasada. Quando chegaram, numa van, o quase óbvio: eram brasileiros. Daqueles bem “elegantes” que chegam gritando, falando alto, rindo e fazendo piada com quem não conhecem. Um bando de senhores de idade avançada que em meio à visita, quando se distanciavam uns dos outros, assobiavam bem alto e urravam seus nomes: fiiiiiiiiiiiiiiiiu, FULANOOOO!”. E olha que nem havia começado a degustação.

O passeio tem uma duração bacana, e a casa mostra bastante coisa. Assim, tirando as más companhias: valeu. O final, como de costume, está reservado à possibilidade de compras e uma pequena prova. A paciência se esgotou ali, com nossos ilustres acompanhantes promovendo verdadeiro terror.

Incomodados com tamanha zona, entendemos que seria ideal completar nossa visita em um gesto isolado. Primeiro num simpático bar dentro da casa principal comprando uma taça de vinho extra. E em seguida, atendidos em nosso pleito para conhecer a famosa torre da logomarca. Tratava-se à época de uma espécie de museu do vinho e do azeite da casa, e de um centro de exposições de arqueologia bem interessante que exigiam alguns poucos quilômetros a mais de carro. Tudo pequeno, mas muito aconchegante. E dessa vez, sozinhos com um colaborador da vinícola a nos explicar coisas interessantes demais.

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Pois bem, a mais curiosa delas estava associada ao rótulo de um vinho fortemente exportado para os Estados Unidos. Normalmente a arte é dada por algum pintor convidado, algo bastante comum nas vinícolas. Em 2001, a safra do Reserva 1999 foi lançada com a imagem original trazendo um sultão ou xeque, levantando uma taça com um sorriso discreto e turbante na cabeça. Uma figura simpática reproduzida em milhares de garrafas que cruzaram ou estavam prontas para cruzar o oceano Atlântico quando os ataques de 11 de setembro detonaram as torres gêmeas e mudaram o curso da história. Como vender um vinho com um líder árabe barbudo e sorridente naquele instante? A despeito das interpretações que podem afirmar que isso seria bobagem ou preconceito, em termos de marketing a imagem tinha alto potencial para ser taxada de infeliz. E o que a vinícola fez? Carregou o volume de garrafas de volta e novos rótulos foram providenciados. Agora com um rei e uma rainha brindando ao estilo mais tradicional do mundo da realeza ocidental.

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Curiosidades a parte, alguns vinhos da casa merecem atenção. Os brancos denominados “Duas Castas” e os tintos denominados “Quatro Castas” são bem honestos, e não muito caros. Em visual de rotulagem bem semelhante existem aqueles que têm as iniciais das uvas em edições monocastas – AB de Alicante Bouschet, A de Aragonêz, TN de Touriga Nacional e assim por diante. O Garrafeira, um dos grandes vinhos da casa, que parece que está sob nova roupagem e nome (Private Selection) nós compramos na visita (safra 2005), tomamos em 2013 no nosso aniversário de casamento e estava bem correto. O Monte Velho é um vinho que vende muito bem no Brasil, mas parece muito simples e não nos agrada. No mais, nota-se um espumante e algumas edições que desconhecemos. Vale ressaltar, no entanto, o azeite, que também se tornou muito conhecido e admirado aqui no Brasil. Longe dos assobios, gritos e atrasos, do alto da pequena torre, a Herdade do Esporão é uma bela casa do Alentejo.

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