A FAO é o organismo da ONU localizado em Roma concentrado na agricultura e na alimentação. Em seu portal é possível encontrar dados incríveis sobre produção, comércio, preço e tantas outras coisas de centenas de produtos. Na década de 90, quando eu trabalhava na FIPE-USP, me recordo de um projeto que buscava compreender o mercado mundial de algumas frutas. Deu um baita trabalho montar os bancos de dados para os economistas rodarem regressões complexas. Mas o papo aqui não é esse.

Essa semana entrei no portal da FAO, que melhorou muito nos últimos vinte anos, para procurar dados sobre os maiores produtores de vinho do planeta. Montei uma tabela que somava os volumes, em toneladas, dos últimos 20 anos, entre 1993 e 2013. O intuito era ver quantos registros existiam e comparar com o total de nacionalidades que bebi. A pesquisa me retornou cerca de 70 nações, e nos últimos cinco anos bebi vinhos de 24 países. Desanima pensar que faltam mais de 40, mas me entusiasmo com a possibilidade de novas descobertas – algumas, por sinal, serão bem fáceis.

FAO - mapa

Mapa – FAO

Entre os maiores, muita coisa óbvia. Pela ordem: França, Itália, Espanha, Argentina, X, Austrália, Alemanha, África do Sul, Chile e Portugal. Isso representa 85% do que bebi em meia década. Mas o elemento X da lista surpreende. Trata-se da China. Isso mesmo. O gigante asiático tem produzido demais, e num voo de Air China que fiz em 2015 tive a oportunidade de experimentar um tinto na ida e um branco na volta. Foram duas das experiências mais inexpressivas que tive na vida. Vinhos frágeis, ruins, sem personalidade alguma. Pareciam sucos com gotas de álcool. O rótulo e a pressa da aeromoça não me permitiram entender o que tomei, mas certamente, em se tratando de uma bebida servida na classe econômica de uma companhia que se notabiliza por vender passagem barata, devo ter experimentado a raspa do tacho. Assim, se tiver a oportunidade, me aventuro novamente.

A outra brincadeira com a tabela foi ver o que existia de menos expressivo em volume de produção que eu havia provado. Os cinco, do menor ao maior, são: Bolívia (57º), Líbano (44º), Tunísia (41º), Peru (37º) e Uruguai (28º). Esse último é um dos meus locais preferidos. A evolução da uva Tannat, com tintos mais suaves que em outrora, e o aporte de qualidade no país são impressionantes. Tem sido difícil tomar algo ruim vindo de lá nos últimos três anos. Casas como Família Deicas, com um vinho de sobremesa esplêndido, e Garzón estão entre as minhas prediletas e merecem muita atenção. Essa segunda faz diferentes vinhos brancos dignos de notas a partir de Alvarinho e Viognier, e um rosé com Pinot Noir muito equilibrado.

GarzonIntipalka

Kefraya (Líbano)

 

Mornag

 

 

 

 

 

 

Fotos: o uruguaio Garzón, o peruano Intipalka, o libanês Kefraya e o tunisiano Mornag.

O Peru é um caso sério. A sala de jantar da América Latina, a cozinha do hemisfério sul não tem a menor capacidade de produzir um vinho condizente com o tamanho de sua gastronomia. Os quatro tintos que provei são doces, florais ao extremo e quase impossíveis de serem vencidos em garrafas de 750 ml – que me perdoem os queridos Fernando e Verônica. Num restaurante em Lima, no ano assado, o garçom me desaconselhou a experimentar uma garrafa, e minha teimosia gerou fortes reclamações numa mesa de amigos que esperavam “mais de mim” – que o diga Paulo Peres. Já a Tunísia faz vinhos tintos suaves muito pautados na experiência de produtores franceses que cruzam as águas para se aventurarem por lá. Não tenho saudades do pouco que tomei, mas não desgostei. Um vinho chamado Château Mornag, relativamente barato aqui no Brasil, foi o que mais agradou. No Líbano, por sua vez, existem grandes rótulos de tintos que guardam uma potência muito bacana. O Château Kefraya chega ao Brasil a preço salgado, mas vale cada investida da taça em direção à boca. Baita vinho, muito bom. Memorável.

Por fim: e o Brasil? Aparece em 16º. E logo entendi porque uma enóloga da Rússia (a 13ª colocada na lista) tanto me perguntou sobre nossos vinhos numa visita que fiz à Ribera del Duero. Não circulamos tanto no velho continente. E estamos abaixo da Hungria e acima da Áustria. Aqui temos dois belos produtores. O primeiro de vinhos de colheita tardia, ideais para sobremesas, mas também de brancos feitos a base da uva Furmint que podem ser apreciados com peixes. O melhor que tomei até hoje foi o Mandolás, feito em vinícola húngara ligada ao grupo Vega Sicília. Já a bebida da Áustria eu conheci por intermédio de um amigo extremamente generoso que me trouxe três garrafas – obrigado Celso. Vinhos brancos de ótima qualidade que costumam circular pouco pelo mundo. Também recebi, pela Sociedade da Mesa, duas garrafas austríacas de qualidade inferior, mas longe de fazer o país “passar vergonha”.

O leitor mais atento vai dizer: você esqueceu da Bolívia! É verdade. Com todo o respeito, nesse caso, fiz realmente a mais absoluta questão de esquecer nossos simpáticos vizinhos.