Sábado passado recebi a confirmação: não tenho qualquer relação técnica com o mundo do vinho. É pura paixão. É amor e degustação. É vivência irracional. Se me pedirem pra descrever detalhadamente o processo de produção do vinho, mesmo depois de livros lidos e mais de 50 vinícolas visitadas, eu falharei ardorosamente. Que bom. Que orgulho sinto disso. E por uma razão toda especial: prova que eu estou com a cabeça leve e descansada quando ouço e falo sobre vinho.

Foi por esse motivo que não consegui escrever nada sobre minha bebida predileta na semana passada. Zerei o blog, e isso não é comum. Quando fui me dar conta de algo inspirador já era domingo à noite, e deixei para registrar algo apenas hoje.

Faz algumas semanas, no Netflix, assisti com a Ka o filme Mary Shelley, uma bela ilustração da lógica feminista inglesa do século XIX com base na autora do clássico Frankenstein. Adoramos, e nos sentimos provocados. Domingo último foi a vez de “Sociedade Literária e a torta de casca de batatas”, menos profundo, mas igualmente adorável. Uma delícia de narrativa. Suave, gostosa e com protagonismo feminino forte em pleno instante inglês do pós-Segunda Guerra. Foi aqui que me reencontrei com a inspiração do vinho. No sábado tomáramos um uruguaio da Garzón, a casa milionária que não erra vinho. Almoçamos um T-Bone de cordeiro e para acompanhar nada melhor que juntar nacionalidades. O caprino e o tinto eram do vizinho ao sul, e se entenderam muito bem. A uva não era a famosa Tannat, mas sim a nova Marselan, casta criada em meados do século passado cruzando Cabernet Sauvignon e Garnacha. Intensa, extremamente vermelha de manchar a garrafa e muito agradável ao paladar na harmonização. Golaço, comprado na World Wine por menos de R$ 100.

gar mars

Mas no domingo à noite foi diferente. Algo suave, para harmonizar com alguns belisques, sobretudo de salmão defumado. O escolhido foi o Les Calandières, da região do Mediterrâneo, um rosê francês baratinho que encontrei na Evino e tenho quase certeza que ganhei por ter comprado outras garrafas em uma promoção. Se não foi assim, a brincadeira valeu menos de R$ 45. E olha que estava bacana. Cor suave, garrafa diferente e mistura tradicional de uvas. O problema: diferentes sites que o vendem falam em distintas combinações de castas, e o produtor mostra fotos lindas entre a terra e o mar, mas nada de uvas. O que sobram são os tradicionais autoelogios e alguns prêmios, destacando comentários como notas de frutas vermelhas, frescor e possíveis harmonizações. No site tem nosso salmão, mas aqui o que se sobressaiu foi algo como maçã. Tudo bem. O fato é que o vinho que custa cerca de cinco euros nos supermercados da França nos foi muito agradável em uma noite de domingo em que espírito, comida, cinema e vinho harmonizaram perfeitamente. Saúde.

rosado 3

Fonte: as fotos foram retiradas dos sites de onde as garrafas foram compradas