Durante anos de minha vida tive insônias homéricas nas madrugadas de domingo para segunda-feira. Curiosamente, com o adensamento das confissões pessoais de amigos nas redes sociais, percebi que isso era algo que atingia dezenas, quiçá centenas de pessoas conhecidas. Meus dois problemas principais associados a tal fenômeno estavam diretamente relacionados à ansiedade da semana que se anunciava, e ao distanciamento entre o prazer de ter acordado tarde no domingo e o martírio de ter de acordar cedo na segunda. Duas coisas serviram de estímulo para que eu atenuasse de forma expressiva essa maldição nos últimos cinco anos. E garanto que a segunda foi mais eficiente que a primeira.

O ponto inicial: mudei de rua. Deixei um endereço barulhento, em que os ruídos da via marcavam claramente o avanço do tempo em minha insanidade de brigar para dormir. E fui para um local infinitamente mais calmo. Na Rua Tonelero tudo funcionava como um relógio perverso. O ônibus deixava de passar, indicando que era mais de meia noite; o caminhão da pequena fábrica de pão de queijo encostava para carregar do outro lado da rua, apontando que passava da uma hora da manhã; o passarinho começava a cantar, sugerindo que eram quatro da madrugada; o ônibus voltava a passar, e eu olhava no relógio, descobria que eram cinco horas e que mais uma guerra havia sido perdida. Caos. Insanidade.

O segundo ponto: parei de assistir TV domingo à noite. Psicologicamente alguns programas tradicionais geram ansiedade desnecessária. Quando começava o Fantástico, algo que não vejo faz mais de meia década, o desejo de derreter e chorar era imenso. Chega! Música clássica, no máximo um filme bem tranquilo – Os Filhos do Padre e Blue Jasmine são exemplos recentes – e cerca de meia garrafa de vinho. Pronto. Mas tem mais um detalhe adicional.

E esse eu aprendi com minha mãe, que adora meditar. Ao deitar-me passei a me reportar, ao menor sinal de insônia, para algum local que tenha me gerado prazer absoluto. E não consigo passar por essas experiências sem me reportar às minhas viagens pelo universo do vinho. A partir disso comecei a notar que investir em enoturismo não era apenas algo capaz de me fazer bem no instante do passeio, ou nas conversas com amigos, tampouco no gesto de rever fotografias. Minha memória conectada a tais experiências passou a ser elemento estratégico para combater o caos da insônia. Genial!

Os casos mais tradicionais de meus pensamentos me remetem a quatro locais mágicos. O primeiro é o Priorato, nas montanhas da Catalunha. Em 2012 foram três noites, quando conhecemos três vinícolas. Dois clássicos locais e um produtor extremamente ousado da nova geração. Ficamos numa cidade minúscula, a noite era tranquila, e os quase 50 graus de temperatura das tardes de verão caiam vertiginosamente à noite quando soprava o vento do deserto Africano. É àquela tranquilidade, da pequenina La Morera de Montsant, com seus 157 habitantes e um paredão de pedra gigantesco do Parc Natural de la Serra de Montsant, que elevo meu pensamento, transporto minha alma e sinto o sabor dos vinhos provados.

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O segundo é a Provence, mais especificamente a cidade de Roussillon. Visitamos o local em 2014, em plena Copa do Mundo. A cidade fica sobre uma falésia rosada, e todas as suas casas são pintadas em tons que mesclam essa cor, ofertando aos visitantes um espetáculo cromático. Um pequeno parque, na curva da estrada, permite que a cidade seja vista como paisagem próxima e mostre seu charme absoluto. O calor do verão e as cores combinam com um vinho regional rosado, equilibrado, preciso, extremamente bem harmonizado com peixes leves.

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A terceira parada é a cidade de Barollo, no Piemonte. Mais especificamente um jantar espetacular em um restaurante onde bebemos um Barbera delicioso. Era verão, o pôr do sol era tardio, e comemos sob a atmosfera do que alguns gostam de chamar, correta e graciosamente, de lusco fusco. A conversa, o carinho, o clima, o local. Genial!

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Por fim, em 2009, os encantos do Douro e uma hospedagem fantástica na Quinta do Santo Antônio – um pequeno hotel-vinícola onde provamos um dos mais perfeitos vinhos do Porto de nossas vidas, diretamente da barrica da família de proprietários. Acordar no dia seguinte de frente para as montanhas de vinhas que a UNESCO intitula patrimônio da humanidade não tem preço. O rio Douro correndo manso e silencioso, perfeito. Tão tranquilizante que deu até sono, ou vontade de beber uma boa garrafa de vinho. Do Priorato, da Provance, do Piemonte, do Douro ou de qualquer outro local que remeta ao prazer de se sentir pleno.

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