Não é incomum associarmos lugares e vinhos ao nome de proprietários e vinicultores. Quando penso em brancos feitos a partir da Alvarinho em Portugal o que me vem à minha cabeça imediatamente é o nome de Anselmo Mendes. Nesse mesmo país, Luís Pato é o rei da Baga. No Priorato o nome de Álvaro Palacios é muito forte, e certamente teríamos uma lista imensa de ícones que poderiam ser aqui apresentados. A verdade é que não vou muito adiante porque não sou um expert, apenas um entusiasmado consumidor.

Pois bem, em nossa última viagem à Andaluzia conhecemos algo que eu reportaria como improvável. Em meio aos monstruosos e por vezes super potentes vinhos de Jerez tomamos contato com vinhos locais, produzidos em Cadiz, de um nome que ficará por muito tempo nas nossas cabeças. Dele compramos dois vinhos em situações diferentes: o primeiro numa loja no centro de Jerez de la Frontera, diretamente com um senhor que parecia dono do estabelecimento e nos tratou bem demais, com essa bela dica; e o segundo num restaurante que é simplesmente maravilhoso nos arredores do hotel que ficamos. Foi nossa segunda vez em Jerez e não deixamos de voltar ao Albalá. Principalmente por conta de um croquete de rabada, carinhosamente chamado de “croquete de cola de toro” que é simplesmente perfeito e muito diferente de tudo o que comemos. Nada daqueles recheios com cremes brancos misturados aos mais diferentes sabores que conhecemos em diversos locais da Espanha. Aqui o rabo vem desfiado e puro, apenas muito bem temperado. Algo perfeito, tão expressivo que até amizade com o gerente do restaurante findei fazendo no Instagram. Genial. Baita cara simpático, acolhedor e competente.

Mas voltemos ao vinho. O vinicultor aqui se chama Luis Pérez, e prometo que quando voltar pela terceira vez por essas bandas farei de tudo para conhecer sua casa. Sobretudo porque descobri em seu site que provamos seus tintos mais baratos, e fiquei pensando o que devem ser os mais sofisticados. A vinícola carrega seu nome, e seu currículo serve como um belo cartão de visitas: professor de enologia da Universidade de Cadiz, experiência como vinicultor chefe da Domecq Sherry & Brandy e produtor com sua família em negócio próprio desde 2002. Precisa mais? Pois bem, precisa. Precisávamos provar seu vinho feito a partir da improvável chance de em terras andaluzes a Merlot, a Syrah e a Patit Verdot, dentre outras, darem certo. E deram. Bem demais!

De suas obras tomamos dois rótulos: o Garum e o El Triangulo. O primeiro, com cerca de um ano estagiando em barricas, é feito com 70% de Merlot e 15% de cada uma das castas acima apresentadas. Deu certo demais com a nossa comida, sobretudo com o croquete perfeito do Albalá que não tiro da memória desde 2015, e agora reforcei com essa visita de 2020. Belíssima harmonização a preço correto e sentimento de um vinho muito bacana. Mas ainda podemos ter surpresas mais intensas. O dono da loja de produtos locais me garantiu que El Triangulo era um vinho local para ficar na memória. Perfeito, então vamos ver o que temos aqui.

el-triangulo garum

O segundo vinho é feito 100% à base de Tintilla de Rota, que pelos escritos é na verdade um sinônimo da Graciano. Com cinco meses de passagem em barricas de carvalho aqui me encontrei de forma ainda mais plena. Já estávamos em Sevilha, e no hotel ele harmonizou perfeitamente com uma belíssima porção de jamón de bellota genial e alguns queijos que tínhamos em nosso minibar. Depois desse belo vinho nada como dar sequência à noite nos aventurando pelas ruas numa fria noite de segunda-feira atrás de uma pequenina e deliciosa casa de jazz, onde a música foi até meia-noite. A harmonização com Luis Pérez aqui atingiu seu ápice, e que possamos encontrar com seus rótulos outras tantas vezes.