Impressionante como certos avanços tecnológicos nos tornam dependentes de coisas que faz alguns anos não tínhamos por perto. Passamos o feriado de 07 de setembro numa pousada em Joanópolis, interior de São Paulo, onde não havia meios de a internet funcionar bem. Celular, computador, wi-fi, nada trouxe a estabilidade do sinal que nos desse “o conforto” do Netflix para uma série noturna, ou as redes sociais para trocas de mensagens com quem não estava conosco. O primeiro dia foi incômodo, por mais relaxante que o lugar fosse. Foi quando deixei a ansiedade de lado e tentei lembrar exatamente o que me divertia nos anos 90. E foi isso que senti: que tinha voltado no tempo, algo mágico, delicioso e, principalmente, relaxante. De verdade!

Nesse clima, no segundo dia do feriado, depois de um belo passeio de lancha proporcionado pela hospedaria, resolvemos visitar o Capril do Bosque, especializado em queijos que, como o nome sugere, são feitos à base de leite de cabra. Tivéssemos nos rendido aos comentários das redes sociais e teríamos ficado em dúvida. O Tripadvisor relata algo ao estilo “ame-o ou deixe-o”, ou melhor: oito ou 80. E se nosso dia estava iluminado, então tivemos uma experiência 80. Tão especial que inicialmente vou deixar de lado os vinhos para falar dos queijos. Por uma única razão: não conheço nada mais especial que um bom queijo de cabra para acompanhar um vinho. Pode testar, pois se souberes o que está combinando a alegria é garantida.

Ao chegar ao local optamos por fazer um rápido tour pela localidade, muito simples, pequena e acolhedora. Quem guia um pequeno grupo de turistas é o filho da proprietária, um jovem historiador íntimo dos animais, os tratando pelo nome e demonstrando domínio sobre o rebanho de cerca de 30 bichos que vivem confinados em um espaço de madeira suspenso. As cabras não parecem tristes, e cumprem bem a função de ofertar um belíssimo leite. Divididas de acordo com suas características, chamam a atenção os filhotes, as fêmeas prenhes, aquelas que estão produzindo e, obviamente, os bodes reprodutores, sendo o mais jovem o amável Luizinho.

Ao término do passeio, que custa R$ 18 por pessoa, é possível ocupar uma das disputadas mesas do simpático bistrô e pedir uma tábua de queijos com 10 tipos, isso mesmo: DEZ pequenas mostras do que a casa produz de melhor – isso por mais R$ 80. Para muitos críticos trata-se de uma porção pequena, mas não consigo concordar com tal posição. A cesta de pães e a geleia caseira complementam o que nos é servido. E após uma rápida explicação por quem nos atende, apontando a ordem exata da prova, mergulhamos num mundo único e muito especial que nos pareceu um farto almoço. Tal atividade é experiência rara de agriturismo, pois é pouco provável que na Europa uma casa desse porte se especialize em mais de dois, três tipos de queijos, como nos explicou a professora doutora (perdoem o vício corporativo de quem trata os acadêmicos da forma como merecemos) Heloísa – a proprietária. Pois bem: o que provamos estava divino. Uns melhores, outros menos agradáveis ao nosso paladar, e todos feitos com muito cuidado. Esse é o segredo: desvendar, descobrir, classificar e imaginar.

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E foi isso o que fiz: imaginei, viajei. Como estava guiando não bebi, e a Ka foi extremamente solidária. Mas sonhei, em cada queijo provado, com um vinho diferente. No final compramos algumas peças a preços bem inferiores àqueles cobrados em São Paulo. Dentre tudo o que senti, a mais perfeita combinação se deu entre um queijo azul, cujos fungos são importados da Europa, e dois vinhos que tinha em casa. Um esperado vinho de sobremesa, nesse caso um raro Vivent de Petit Manseng produzido pela uruguaia Carrau com 18,5% de álcool, e um Régia Colheita Reserva branco, alentejano da Carmim feito a partir da Antão Vaz. Ambos estavam ótimos e foram bem demais com o queijo.

 

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Fonte: Castel Pujol

Ao longo de um mês algumas dessas combinações foram feitas e deram certo. O Lua do Bosque, inspirado no camembert, casou divinamente com o Almacen de la Capilla, um Chardonnay fresco do Uruguai, sem qualquer passagem por barrica numa noite quente. O Pirâmide, inspirado no Valençai, queijo de cabra feito com leite cru no centro da França, foi combinado com tintos de corpo médio, sendo o brasileiro Da Estância da Guatambu uma boa pedida. O Feta casou com tudo o que tentamos, seja numa receita com berinjela e um simples vinho siciliano à base de Nero d’Avola, o PienoSud, ou comido puro com qualquer tinto – e foram três. Por fim, de ardência intensa o Coração em Brasa foi se dando bem com alguns desses vinhos acima citados, apesar de sua pimenta deliciosamente agressiva.

Pieno Sud

Fonte: Don Bistrô

Os seis queijos comprados no Capril encontraram excelentes companhias nos nossos vinhos, com destaque para o azul. Saúde! A combinação entre queijo de cabra e vinhos em geral só me levam a dizer isso: saúde!