O tema desse post não é novidade para quem se concentra em ler, semanalmente, o caderno Paladar do jornal O Estado de S. Paulo. Recentemente a publicação trouxe um conjunto de vinhos nacionais de qualidade produzidos em locais pouco comuns como o interior de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro etc. Não conheço tudo o que ali foi apresentado, mas senti falta de alguns produtores que, igualmente, poderiam ser inscritos na lista de quem faz vinho bom onde pouco se espera que se faça algo do tipo. Tais exemplos já foram temas de várias reportagens, mas gostaria de concentrar aqui algumas observações. Vamos lá.

Da lista do Paladar conhecemos o Luiz Porto Vinhos Finos de Cordislândia, Minas Gerais. Compramos uma garrafa em Tiradentes e bebemos outra com um casal de amigos em casa, trazida por eles. Bom? Sim, um vinho feito com cuidado. Pelo preço pago à época se equivalia a argentinos e chilenos simples e óbvios. Com uma vantagem: não eram óbvios! Mas espere um “cadim” que tem um “trenzim” que mudou tudo: um “queijim” da Canastra. Pronto! Colocamos o queijo mineiro pra conversar com o vinho mineiro e a prosa “foi pra lá de boa, uai”! Ficou ainda melhor.

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Da lista do Paladar também conhecemos os vinhos da Guaspari, com um Syrah que nos agradou demais e mereceu post aqui no Misturinhas. Genial o Vista da Serra, mais interessante ainda o menos premiado Vista do Chá. Intensos e orgulhosamente paulistas. Os demais não conheci, sendo que ali apareceu coisa que sequer está no mercado. No fim da lista apareceu a Casa Geraldo, e tem amigo que prometeu trazer vinho de lá. Estou aguardando!

Para contribuir com a lista, dois produtores merecem atenção especial sob a lógica dos lugares pouco prováveis que não apareceram na matéria. O primeiro deles vem de Goiás. Pois é, se as pessoas ficam impressionadas com vinhos paulistas, fluminenses e mineiros, o que dizer dos goianos? Algumas casas produzem por lá, mas até onde sei apenas a Pireneus Vinhos e Vinhedos tem merecido atenção especial pela qualidade. E olha: merece mesmo. Ganhei de uma amiga, aluna querida, duas garrafas. Já contei a história do presente aqui. O Intrépido, feito a base de Syrah, e o Bandeiras – sobre o qual falarei com mais atenção em post futuro.
Ontem foi dia de abrir o primeiro. Intenso, ousado, e decantado ficou ainda melhor. Respirou e cresceu – um verdadeiro intrépido. Quando encontrou um queijo de cabra – que não era goiano – ficou ainda melhor. Se comparado ao Syrah paulista, está um degrau abaixo. Se alinhado ao mineiro leva vantagem considerável. No universo dos preços, apesar de a correlação não ser absolutamente precisa, é assim que se posicionam: o paulista vai aos R$ 150, o goiano a R$ 110 e o mineiro a cerca de R$ 70. Valem tudo isso? Claro que sim. E por duas razões: são bons vinhos, que representam muito bem a fatia que ocupam no mercado, e por serem brasileiros produzidos em locais novos. Digo isso porque cansei, faz anos, de ler nos rótulos: Mendoza, para os argentinos, e ______ Valley para os chilenos. É tempo de descobrir coisas novas.

Pireneus

Foto: Vinho para Todos

 

Assim, o segundo caso é ainda mais diferente e desvendei conversando com um amigo que me perguntou se eu sabia que existia produção de vinho em praias catarinenses. Lembrei-me logo de Colares, em Portugal. A produção já quase não existe, pois as videiras deram espaço para a especulação imobiliária de um dos metros quadrados mais disputados de Portugal para a construção de casas, condomínio e sítios glamorosos. Lembrei também da costa francesa, e alguns de seus vinhos brancos e tintos mais refrescantes, com destaque para Bandol.
Mas não era exatamente isso que encontraríamos na Domínio Vicari. Tentamos contato com a casa por e-mail, conseguimos resposta. Pedimos uma visita, e recebemos algo informal ao estilo: “pode chegar! É tudo muito simples”! Era verdade. Em plena Praia do Rosa, lugar bem hippie-chique de Santa Catarina, encontramos uma casa-atelier de cerâmica cujas peças inspiram os rótulos mais recentes da vinícola. “Pode empurrar a minha porteira”, disse uma simpática voz feminina. Era, na verdade, uma rede estendida na varanda. Encontramos uma mulher entusiasmada, motivada pelo vinho, trabalhadora em negócio que mantém longe dos venenos e perto da família. O vinho feito ali é totalmente artesanal, busca se posicionar na lógica dos vinhos naturais (coloco o “busca” aqui, porque o conceito ainda precisa ser mais claramente definido) e sua vinificação dialoga fortemente com elementos que não transmitam NADA para a bebida. Ou seja: sem madeira e sem química. E o que sai disso tudo?
Provamos um vinho feito a base de merlot e um sangiovese. As uvas são plantadas no sul e levadas para Santa Catarina, onde na garagem da casa de Lizete visitamos a produção. É tudo muito simples, justamente o contrário do que se bebe. O vinho também pode ser simples, mas justamente por isso é complexo. Não é tão difícil de ser entendido, mas desafia as expectativas de quem levanta uma taça e a leva na direção da boca. E isso é fantástico. A etapa seguinte é gostar ou não gostar de algo que certamente é feito com muita atenção. Particularmente tivemos dificuldade com o Merlot e gostamos muito do Sangiovese. Questão de gosto, pois certamente esse primeiro encontra mercado e apreciadores. Pra completar: a mais recente novidade da casa é um vinho feito a partir da italiana Ribolla Gialla. Na conversa com Lizete, que era para ser breve e durou algumas poucas horas, ela estava entusiasmadíssima com essa casta italiana pela qual se apaixonou na Europa. A nossa vontade de conhecer o novo vinho é proporcional à sua motivação, e temos certeza que o resultado deve ser condizente com o amor, técnica e dedicação que ela emprega no que faz. Detalhe: realmente a visita à casa de Lizete, como ela bem observou, não tem muito o que ver. Mas tem muito o que aprender, conversar e comprar. Conversa divina, experiências espetaculares e belos vinhos. Precisa mais?

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