Beber um vinho com história. Tirá-lo da adega na temperatura ideal, deixa-lo aberto por alguns bons minutos, reconhecer sua origem, pegar na mão do vinicultor, ganhar a garrafa de presente e apresenta-lo para um casal querido de amigos. Vinho socializa, cria laços, rende boas narrativas. Ontem não foi diferente.

Recebemos dois bons amigos em casa, e abrimos um vinho sobre o qual já falei aqui. Um típico Priorato, região montanhosa da Catalunha, Espanha. Deveria estar mineral, característica marcante do local. E estava. Sem exageros, um vinho produzido com atenção, cuidado. Mas poderia ter sido mais um, daqueles que compramos em lojas perto de casa, ou especial o suficiente para ter sido trazido de uma viagem. Era muito mais do que isso.

Conhecemos Fredi Torres nas ruas de Gratallops em 2012. Ele conversava com Cristina, dona de uma excelente pousada-restaurante na minúscula Gratallops. Chegar a uma cidade com menos de 500 habitantes, pra quem mora num monstro de 12 milhões, é sempre sinônimo de descanso e paz. Pedimos uma informação ao grupo que conversava escondido do sol de mais de 40 graus, o papo engatou, ganhamos um almoço, agendamos um jantar, fizemos uma visita à vinícola de um dos participantes, compramos seu vinho maravilhoso, fomos presenteados com um dos melhores alvariños de nossas vidas e, o mais importante, criamos um laço. Uma amizade distante, pouco presente, mas muito especial.

Dantas e Fredi

No ano seguinte voltamos, jantamos na casa de Fredi, bebemos do seu vinho, comemos da sua comida, compartilhamos de sua amizade. Trouxemos mais vinhos, bebemos em momentos especiais, comemoramos meu aniversário por duas vezes com suas bebidas aqui em São Paulo, numa delas surpreendemos o querido sommelier da especial Vinheria Percussi.

Dantas e Fredi 2

Ano passado foi um casal de amigas que pedimos para Fredi receber. E ele foi muito especial, como sempre. As tratou como velhas conhecidas, e nos mandou, em agradecimento – e quem deveria agradecer somos nós – dois vinhos. O último nós abrimos ontem. Três anos de garrafa, e acho que poderia ter dormido mais um ou dois. Mas estava lá: um típico vinho do Priorato, cuidadoso, delicado e, ao mesmo tempo, intenso. Sua mineralidade toda presente e uma harmonização muito agradável com uma polenta ao ragu de cordeiro. Contei a história na mesa, terminei com um longo gole, que parecia mais aveludado e saboroso. O vinho não é feito apenas a partir do que trazem nas garrafas, mas sim, e em boa medida, do que trazemos em nossas memórias e no nosso coração. Um brinde às amizades. Do que produziu, das que trouxeram e dos que beberam. Quando os europeus dizem que o vinho tem alma, eles talvez estejam falando, em parte, disso. Saúde!

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Fonte: Jersild Vin