Pense num dia quente. Cerca de 30 graus. Escrevo esse texto já ao “entardecer”, 22h00 e o céu ainda tem traços de claridade. A noite esfria. Pudera, à minha frente o Mont Blanc, perto uma garrafa de tinto, alguns queijos em uma mesa no terraço de um simpático hotel de Chamonix. O agasalho caiu bem para o brasileiro.

Meu intuito não é tratar dos vinhos dessa região. As lojas e mercados, aos montes pelo agitado centro da cidade, oferecem de tudo um pouco. O poder aquisitivo de boa parte de quem chega aqui, sobretudo no inverno, é alto. Assim, não faltam excelentes opções. Destacam-se os champagnes, os elegantes tintos de diferentes regiões do país, os rosês por conta do verão e os vinhos de Savoie (a região) que têm a bandeira semelhante à Suíça no rótulo. Fiquei curioso, mas minha cota de compras está esgotada por conta do peso da bagagem e dos dias que tenho para beber o que carrego no carro. Uma pena.

É com esse sentimento que escrevo esse texto. A sensação de quem deixa vinhos e oportunidades pelo caminho. A mais sentida está do outro lado da França. Se aqui estou a dois passos da Suíça e do túnel que me levaria rapidamente à Itália, foi em Andorra, na fronteira com a Espanha, que há alguns dias deixei de lado minha aguçada curiosidade. E olha que isso é raro demais de acontecer em matéria de vinhos.

Entrei em uma loja e percebi que a pequena nação de menos de 80 mil habitantes – isso mesmo! – que guarda a singularidade de ter o catalão como língua oficial, produz vinhos. Minha conversa em espanhol com o senhor que é dono do pequenino estabelecimento é fácil. Pergunto a ele sobre o vinho andorrano. Ele se protege logo: “nossos vinhos são caros, perdão”. Digo a ele que sou vivido no assunto, pois moro no Brasil, e que não há motivos para pedir desculpas. Ele insiste nas escusas e me diz o preço de um Shiraz que me encantou: 45 euros. Já paguei mais que isso em bebidas na Europa, mas eram vinhos de guarda bem razoáveis e especiais, de produtores consagrados. Se considerarmos que um comemorado Quinta da Lêda (Casa Ferreirinha) no Makro de Cascais estava menos de 30 euros em abril, passei a concordar que a despeito das desculpas eu realmente não teria coragem de “fazer o investimento”. Aqui estava falando de um varietal 100% – primeiro do país – com seis meses de barrica e um ano de garrafa. Valia? Na hora pensei que não. E assim, bebemos no balcão uma IPA artesanal por menos de três euros, e partimos ao menos consumindo algo daquele cidadão tão simpático.

andorra

Fonte: vinícola (a foto é do Pinot Noir)

Ao longo da caminhada de volta para o hotel uma nova tentativa. Entramos na loja de uma desconfiada senhora e logo perguntei sobre o vinho andorrano. Ela tinha um espumante com um aspecto tenebroso e um Chardonnay. A uva não me agrada, e quando perguntei o preço, novamente: “perdão, nosso vinho é muito caro. A produção é pequenina, consumimos tudo por aqui e nos custa muito dinheiro”. Findou dizendo que a garrafa valia 33 euros. Ficou na loja, de onde vieram alguns patês e uma caixa de torradas industrializadas.

A terceira e última tentativa se deu próxima da fronteira com a França. Agora vai! Um mega shopping de bebidas e guloseimas. Algo bem cafona, mas que tinha tanta garrafa de vinho que achei impossível não ter um andorrano a preço camarada. Nada disso! Espanha, França, Itália e Portugal dominavam o cenário imenso de prateleiras de vinhos que iam dos consagrados aos mais comerciais, além de queijos, embutidos, chocolates, azeites e tudo o mais. Mas nada do vinho do país. Foi nessa hora que me perguntei: por que não investi 45 euros para conhecer algo totalmente novo, raro e capaz de escrever novo capítulo em minha história de vinhos? Por quê? Sei lá. Por vezes meu bolso parece capaz de mastigar meus dedos. E assim foi. Ao menos me inspirei para mais um post do Misturinhas da Ka. Em raro tom de lamentação.