Visitar vinícolas é algo que me agrada. E isso aqui nesse espaço não é novidade alguma. Já contei algumas aventuras do mundo dos vinhos, mas a de hoje eu tive o dom de estragar.

Toda vez que consigo que um grande amigo que trabalha com importação de vinhos marque visitas diretamente do Brasil recebo as mesmas orientações: se precisar desistir nos avise com antecedência; se eles quiserem cobrar algo não nos responsabilizamos por isso e; não chegue atrasado, lembre-se que o anfitrião está deixando de fazer algo para lhe receber, e esse tempo lhe é precioso. Perfeito! Concordo com absolutamente tudo o que está posto nas regras gerais da agenda. E por isso nunca deixei de comparecer a um compromisso, nunca fui cobrado em nenhuma visita, mas as pagaria com prazer, e busco ser o mais pontual possível. Na verdade: sou pontual. Mas toda regra tem sua exceção. E isso ocorreu em Portugal.

Em 2012 fui para um Congresso de Ciência Política em Lisboa. A ideia era chegar quatro dias antes, alugar um carro e rumar para a região de Santarém, norte de Lisboa, perto da capital. Queria visitar Fátima, Peniche, Óbidos, Batalha, Tomar e Alcobaça. Fiquei hospedado em Alcanena, uma cidadezinha central e estratégica para todo esse roteiro. Ao fim dos quatro dias rumaria para Lisboa, e na companhia de amigos acompanharia o congresso e apresentaria meu trabalho. No final do evento, rumaria para a casa de primos nos arredores de Cascais e por lá passaria mais três noites. Perfeito.

Em meio a tal roteiro não poderia faltar uma visita agendada a uma vinícola. E a escolhida da vez, por meu amigo, foi a Quinta da Lagoalva de Cima. Produtora de vinhos muito agradáveis trata-se de uma das responsáveis por aprimorar o vinho do Ribatejo, que geograficamente indicaria as terras “acima do rio Tejo”, diferente de uma das mais famosas denominações portuguesas, que por estar “para além do rio Tejo” em direção à Espanha, atende pelo nome de Alentejo – imagino eu. Desde 2007, inclusive, o conselho regulador da região do Ribatejo tem se esforçado para melhorar a imagem desses vinhos. E a partir de 2010 a denominação mudou de nome, atendendo por “Do Tejo”, para valorizar ainda mais a associação do produto ao rio, como faz, por exemplo, e apenas para servir de ilustração, o Douro.

Tejo

Pois bem, toda essa história me fez acordar cedo numa fria manhã de fevereiro. Devia estar uns dois graus, e a neblina tomava conta da paisagem. Tomei café no hotel e programei o GPS para me levar ao encontro da vinícola. Era um aparelho emprestado por um amigo, o que dificultou a operação por fata de intimidade. Na verdade eu e o equipamento nos demos bem mal. A distância não era longa, mas o caminho era complicado. Passar por dentro de cidades, cortar pequenas estradas, avançar por quilômetros de terra colhida sem nada por perto. Quando percebi estava perdido, e parei num café para colher informações. Como estava muito frio pedi um expresso. O mais forte da minha vida! Veio servido num fundo de xícara da Delta e quase tive que bater na traseira dela para o café descer. Senti o pó na boca, fiquei ligado demais a partir de então. O senhor do bar, um daqueles idosos que certamente herdou o estabelecimento de gerações, me explicou que eu estava longe e que não era fácil.

Precisei de mais uns trinta minutos para chegar ao local da entrada. Parei num posto de gasolina para entender melhor a localização de meu destino e passei a entender porque estava tão difícil. A estrada para a vinícola começava rigorosamente atrás do estabelecimento. Era necessário atravessar o posto para pegar a rota necessária. Nunca que eu adivinharia isso, e tampouco o GPS mostrava com clareza. Apressado, tomei a estrada de chão batido em velocidade pouco aconselhável. E cheguei à fazenda. Uma maravilha, uma bela propriedade, mas lá se ia cerca de uma hora de atraso.

Quando fui anunciado esperei alguns instantes numa sala de provas e venda de vinhos. Um local aconchegante e bem semelhante à parte expressiva dos espaços que as vinícolas constroem para tais instantes. Foi quando um jovem adentrou a sala. Logo o reconheci, ele e um dos proprietários da casa eram tratados na revista de bordo da TAP como as grandes promessas da enologia portuguesa daquela região. Salvo engano de minha parte, Pedro Pinhão era o seu nome. Extremamente gripado, e um pouco queixoso do atraso, deixou claro que as duas questões geravam certa resistência a voltas longas pela propriedade. A despeito de um mínimo mal estar, entendi perfeitamente suas razões. E então ele sugeriu que conversássemos um pouco sobre vinhos, antes de provarmos alguns rótulos muito bem produzidos pela casa. Foi Pedro quem me deu as dicas de vinhos verdes que já postei no Misturinhas, e de lá levei algumas garrafas de tintos para um maravilhoso jantar em Lisboa. A conversa foi breve, devo ter ficado por lá uns 40 minutos. O que mais me impressionou, daquilo que provei e comprei, foi o Quinta da Lagoalva de Cima Syrah (uva que tem se dado muito bem nas regiões associadas ao Tejo) e Touriga Nacional. Uma bela combinação! Perder-me em Portugal, no entanto, custou uma visita mais detalhada, a despeito do estado de saúde de meu anfitrião e de seu profundo e simpático conhecimento que renderam ótimas informações.

Lagoalva

Ao sair da vinícola resolvi verificar, pois estava com tempo, o que o GPS me oferecia como “Pontos de Interesse”. Seria importante conhecer algo próximo. E a atração mais perto era exatamente: a Quinta da Lagoalva de Cima! Como poderia esperar que ela existisse na memória do aparelho? Se tivesse investido sobre tal detalhe teria chegado diretamente onde precisava, e na hora! Paciência. Ao menos conheci superficialmente uma bela casa, comprei um belo vinho e recebi uma bela explicação sobre vinhos verdes e acerca dos desafios do Ribatejo. Ops: DO TEJO!

QLC2