Fomos cedo para a Borgonha. Em 2012 eu ainda não era capaz de entender certas complexidades do mundo dos vinhos – hoje ainda tenho muita dificuldade. Ficamos hospedados em Beaune, “a capital” do vinho local. A cidade é impressionante, deliciosamente romântica e absolutamente repleta de glamour. Era primavera, as pessoas estavam alegres e nos chamou a atenção uma senhora com suas filhas adolescentes, todas de chapéu, passeando com intensa naturalidade num imenso Bentley conversível. A praça repleta de cafés e restaurantes, as lojas dos produtores, as visitas às vinícolas – mais difíceis que em outros lugares, mas permitidas – e tantas outras delícias gastronômicas.

Turisticamente falando nada impressiona mais do que o Hospices de Beaune. Um hospital medieval que se tornou um museu de medicina impressionante pela beleza e riqueza histórica, além de parte do complexo ainda funcionar e de a organização que cuida de tudo realizar um famoso leilão de vinhos. O evento tem mais de 150 anos e é composto pelas barricas produzidas com as uvas de mais de sessenta hectares de vinhedos, muitos deles doados ou deixados como herança ao longo dos séculos por benfeitores e simpatizantes. Como os lotes da Borgonha são divididos de acordo com seu valor para o vinho, naturalmente as uvas podem vir dos mais nobres aos mais pobres terroirs.

No Brasil, um empresário ligado à Anima Vinum arremata barricas e as traz para o país faz alguns anos. O conhecemos em animadas conversas na loja-restaurante e não é incomum irmos até lá. Como grande entendedor da região, ele costuma comercializar bons rótulos, que variam de preço e atendem bem aos amantes da Borgonha.

Em relação aos vinhos tintos locais, a Pinot Noir é a uva principal. A definição encontrada no site da Mistral sobre ela talvez seja a mais fácil e interessante:

A graça de um bom vinho Pinot Noir está no bouquet repleto de aromas e nas diversas sutilezas e nuances que o vinho é capaz de oferecer. Por não ser tão óbvio, é tido por muitos apreciadores como um vinho para especialistas. Na verdade (…) combina grande elegância e sofisticação com saborosas notas de fruta. É um vinho de taninos suaves e ótima acidez, o que o torna incrivelmente gastronômico. A Pinot Noir é uma das melhores uvas para exemplificar o conceito de terroir. Mesmo com uma assinatura própria, ela dá origem a vinhos bastante distintos dependendo de onde é plantada. Do mesmo modo que é praticamente impossível reproduzir os vinhos da Borgonha, é muito difícil produzir os Pinots de outras partes do mundo. Cada terroir valoriza uma faceta desta fantástica uva. (grifos nossos)

Com base em tal descrição é que volto a afirmar: fomos cedo para a Borgonha. A complexidade de tais vinhos, que têm garrafa com nome próprio – as borgonhesas, mas gordinhas e baixinhas, e muito comuns em vinhos tintos à base de Pinot Noir, bem como nos brancos feitos de Charddonay, outro carro chefe da região – e um aprimoramento de nossas sensações em relação à uva me fazem pensar assim.

Ademais, a avaliação da Mistral nos faz perceber que por mais que Chile e Argentina estejam se esforçando, o que conhecemos dessa uva por lá nos desagrada. Se o vinho tem muito do terroir, vinhos simples têm se mostrado extremamente doces. O que nos encanta mais no continente são os rosados uruguaios. Ligeiros, acessíveis e sem grande complexidade, são extremamente refrescantes e com equilíbrio acima da média. Destacaria aqui o Garzón, de Punta del Este, e o Narbona Blush de Carmelo.

DiduGarzon

Fontes das fotos: Didu e Vinhos Mundi

Mas sem falar no que a Pinot é capaz de render em espumantes, com destaque, principalmente, para os Champagnes rosados, é nos Estados Unidos, onde a uva ganha um pouco mais de intensidade e cor, que nos encontramos com o que existe de mais saboroso em matéria de Pinot Noir para o nosso paladar em evolução. Os vinhos que tomamos do Oregon, menos intensos e muito bons, e de alguns locais da Califórnia, mais fortes sem perder a elegância, se mostraram muito especiais. Nos últimos anos, nunca juntos, infelizmente, fomos quatro vezes aos Estados Unidos – eu uma, e a Ka três. E de lá trouxemos ótimos tintos. Ademais, um casal de amigos nos deu a chance de experimentar um esplêndido californiano, mais leve e frutado, mas absolutamente encantador. Quando olho pros meus controles de vinho, para as planilhas, e percebo que em 2017 essa é a uva que mais tomamos talvez meu paladar tenha evoluído a ponto de afirma que chegou o instante de voltarmos à Borgonha.

Astor Goticandrewbelle glosthe-pinot-project-pinot-noir-california-usa-10632172t

Fontes fotos: Astor wines (2), vinícola e Wine Searcher – os dois primeiros vinhos do Oregon, mais suaves, na faixa de US$ 25 nos Estados Unidos, e os outros dois diferem bastante no preço. O Belle Glos, em garrafa e arte deslumbrante é mais caro, e o The Pinot Project fica na faixa de US$ 15.