Em 2015 estive com a Ka em Salamanca. Para além de uma universidade lindíssima e tradicional, a cidade tem orgulho de seu presunto divino. As patas estão espalhadas e penduradas por todos os cantos. Nos restaurantes, lojas de produtos gastronômicos, bares e no simpático mercado municipal, a dois passos da belíssima Plaza Mayor. Naquela ocasião assistimos a um concerto de música clássica em homenagem aos 500 anos da santa padroeira da cidade. Memorável!

Dessa vez estive lá com amigos para um congresso de americanistas. Não é exatamente minha praia, mas um acadêmico precisa ter sensibilidade para alguns instantes mágicos. Em 2018 a universidade está completando 800 anos, e a pergunta central é: como perder a chance de estar num lugar assim em ocasião tão especial? Acertei em cheio. Um verão deslumbrante em instante genial.

Para além de tudo o que vi, é fato que meu papel central aqui é dizer o que bebi. Então vamos lá, pois esse post é um capítulo especial destinado a um bar onde me senti em casa. Em 2015, pesquisando na internet, li algo sobre a Vinoteca Doctrinos. O post, cuja origem me falta completamente à memória, falava de um pequeno bar, dois simpáticos senhores servindo, ampla gama de vinhos, bom humor, tapas simpáticas e um ambiente bem local. E foi isso que eu e a Ka encontramos: clientes com média mais avançada de idade, alguns poucos turistas e um ambiente muito bem humorado. Tomamos duas taças e fomos à música clássica.

O que me cabia fazer esse ano? O óbvio: voltar. E lá estive por duas noites. Na primeira, mais uma vez, antes de um espetáculo de música – dessa vez de jazz. Junto a um querido amigo que eu não encontrava fazia alguns anos, e não conversava com calma há muitos outros, pude beber quatro taças de vinho num verdadeiro passeio pela Espanha. Tendo em vista o calor intenso comecei por um Verdejo de Rueda, o Valdecuevas 2017. Estava bem vivo, floral, e logo passamos para o segundo. Pedi um Alvarinho galego, mas o simpático senhor dos cabelos brancos que está sempre portanto um caloroso sorriso disse que esse ficaria me devendo. Passei a bola pra ele, e fui surpreendido com um Albarin de Castilla, que eu nunca havia visto. Não foi exatamente paixão a primeira vista, mas foi uma experiência bacana.

valdecuevas-verdejo

Fonte: vinícola

Bebidos os brancos, estava na hora dos tintos. E aqui não teve erro: queria um Rioja e um Ribera. O primeiro foi um riojano que não marcou muito. Para arrematar, pedi a ele um Pesquera, pois estava com saudades desse vinho honesto. Recebi reprimenda: “por que você quer esse vinho? Saia disso, vamos para algo mais especial, mais interessante e bem feito”. Foi quando me apresentou para o Corimbo. Gostei da sugestão, e saímos do bar com o sentimento de boas escolhas em boa noite de vinhos. O jazz não estava tão bom quanto o espetáculo de 2015, mas serviu para marcar uma noite especial de quarta-feira.corimbo

Fonte: Vinícola

Na sexta, voltando da vinícola que visitei em Toro e relatei aqui semana passada, percebi um agito noturno expressivo na cidade. Eram mais de 23h00 e tudo parecia borbulhar. Foi quando eu e um amigo fomos ao Cuzco beber duas taças de vinho. Minha primeira foi extremamente ousada. Fiquei curioso para conhecer um Gewustraminer espanhol, e com uma tapa de queijo de ovelha entendo que fiz um belíssimo negócio. Golaço! Fechamos o bar com uma taça de Verdejo, mas a noite continuava alegre e efervescente. Resultado? Obviamente a pequenina calle Doctrinos, onde está a Enoteca Doctrinos e seus simpáticos senhores – clientes e anfitriões. Ao chegar falei do vinho que bebera na quarta: “não sei se o senhor vai lembrar”. Nova surpresa positiva: “sei com quem você estava e exatamente o que bebeu. Eram três, um foi embora e voltou, e você bebeu quatro vinhos com seu amigo. O Ribera que te servi está aqui, é o Corimbo”. E assim o repeti. Estava ótimo, assim como a conversa com meu amigo, com um casal mais velho de clientes e com nossos orientadores. A partir de então, para fechar, resolvi delegar a responsabilidade. E assim ainda tomei uma taça do belo 575 Uvas, que leva a novidade de Salamanca que atende pelo nome de Rufete, e um Ribera del Duero muito especial chamado QS. Esse era bem caro, mas estava delicioso, com aquela madeira na medida certa e todo o charme da Tempranillo.

QS

Fonte: Grand Cru

E foi assim que passei mais uma noite no Doctrinos, que quase fechando e apenas comigo e meu amigo em seu interior ainda me rendeu a simpática foto com nosso sorridente anfitrião. Bacana quando nos sentimos em casa num bar.

Doctrinos