O termo acima era utilizado por minha mãe quando eu era criança. Tinha como objetivo dizer que alguma coisa, alguma situação, estava difícil. Normalmente, na década de 80, as nossas maiores dificuldades estavam associadas aos preços, num mundo inflacionado ao extremo. Assim, toda vez que voltava do supermercado com as compras do mês, minha mãe dizia: “Betão, tá russo!” Imagino que a expressão esteja absolutamente associada a algo que se relacione com a tentativa de denegrir a imagem da União Soviética num contexto bipolarizado da Guerra Fria que se vivia à ocasião. Mas isso é só um chute. Pode também ser algo relacionado às dificuldades que os russos impuseram a inimigos napoleônicos ou nazistas. Sei lá.

Mais pra diante convivi com a frase: “falta combinar com os russos!”, bastante utilizada por alguns políticos para explicarem que um plano pode ou dará certo se a outra parte envolvida, por vezes adversária, também topar embarcar nas elucubrações. Essa expressão facilmente deve estar associada aos aspectos de guerras descritos acima.

Entre dificuldades e combinações, em outubro do ano passado conhecemos uma enóloga russa numa visita que fizemos à vinícola Pingus – uma joia rara de Ribera del Duero sob indicação da Mistral. A conversa, concentrada na produção da casa e que um dia descreverei aqui, logo derivou para o planeta vinho. E tão curiosa quanto nossa anfitriã se mostrou pelos vinhos do Brasil nós nos mostramos em relação ao que se fabrica no Leste Europeu. E ela nos falou bem demais dos vinhos ucranianos e disse que na Rússia a qualidade da bebida está aumentando. Desde então fiquei curioso.

Pois a ida de um grande amigo para São Petersburgo representou chance rara de, inconvenientemente, lhe fazer uma encomenda. Obviamente queria um vinho. E em telefonema de duas semanas atrás soube que ele havia atendido ao pedido. “Temos um vinho russo pra provar, mas não me peça pra dizer o que está escrito no rótulo”. Perfeito! Ou melhor: arriscado!

Claro que o gesto da lembrança, a compra e o transporte são maravilhosos. Mas e o vinho? E mais: e o vinho comprado por um colega de empresa que não sabíamos se tinha intimidade com a bebida? As pesquisas sobre vinho russo me desanimaram bastante. O país é conhecido pela produção de percentuais imensos de uma bebida bem doce e de fácil consumo. Não é disso que gostamos. A esperança estava nos 20% restantes e num aprimoramento expressivo nos últimos anos. E foi o que encontramos em nossa experiência. Um vinho que, na Rússia, custou o equivalente a R$ 50 e se mostrou muito correto. Bom, e com intensidade precisa, simpáticos aromas etc. Lembrou, pelo preço e pela qualidade, os vinhos de Santa Catarina, aqueles tintos honestíssimos que estão merecendo um post aqui faz tempo. Aprovado! Sobretudo com um queijo de cabra bem curado. Aí sim: maravilha!

Vinho russo

Mas para além do caráter exótico da empreitada outro desafio se mostrou presente. Ler o rótulo e entender o que bebemos. Comprado no país de origem NADA era legível para além da safra 2014, dos 750 ML e dos 13,5% de grau alcoólico. Nada! Mas isso quem resolveu não foi meu amigo, e sim a tecnologia. Um aplicativo que fotografa textos e os traduz – o Translate Photo Free. Pronto! Sabemos que ali tinham algumas uvas, uma delas a Cabernet Sauvignon, e outros três tipos locais, dentre elas a Tsimlyanskiy Cherniy e a Krasnostop Zolotovskiy – que podem até ser algo parecido de nomes mais conhecidos, mas são chamadas de variedades únicas do Don, o rio da região de Rostov. Também descobrimos a vinícola, e foi possível chegar ao site da casa: Vedernikov Wines, um pouco desatualizado e sem essa safra e blend descrito no nosso rótulo. Na verdade, parece que falta uma quarta cepa. Mas paciência. Atingimos o objetivo! A despeito das dificuldades e cumprindo as combinações. Vache zdoróvie! (à sua saúde!)