O ambiente é descolado, faz aquele estilo planejado e minuciosamente montado de “oficina rústica”. Cada peça deve ser escolhida e alocada estrategicamente, mas o resultado final é despojado. Tecnicamente, arquitetos, designers e decoradores conseguem explicar de forma mais precisa. Lâmpadas com aqueles filetes alaranjados, garrafas servindo de lustre, a mescla do concreto com o tijolo, o chão rústico de cimento, canos, condutores e fios aparentes. Tudo numa casa relativamente estreita, com uma vitrine simpática mostrando apetrechos de charcutaria e queijaria. É mais ou menos assim que eu descreveria o CATETO de Pinheiros, ironicamente à rua Francisco LEITÃO, filial de uma tradicional casa da Mooca que nunca visitei.

Seus funcionários são daquele tipo que usam barba e boné, ou cabelos arrumados com fivelas alocadas no lugar certo ao estilo descolado, estampam tatuagens, piercings e esbanjam um padrão bacana de juventude. Fala descolada, precisão no que diz e nada de “senhor e senhora” ou formalidades do mundo do atendimento. A música toca alto, e predomina o rock. Trata-se, fortemente, de uma casa de embutidos e queijos com longa carta de cervejas. Tem pra todo gosto, exceção óbvia feita a quem gosta dos desprezíveis “refrigerantes alcoolizados de milho”. Mas não é isso que estávamos buscando.

Pelo Instagram uma foto anunciava que no inesperado frio de setembro um bom vinho acompanharia bem uma tábua de frios. Chamamos um táxi pelo 99 e logo estávamos lá. Cardápio corretíssimo, com excelentes opções de tábuas, petiscos e sanduíches. Fazia tempo que não me sentia tão à vontade numa carta. Ao contrário do RED, boa casa de vinhos nacionais da Vila Madalena que tenta, sem sucesso, vender bons queijos e embutidos, o Cateto consegue. Tudo é uma questão de fornecedor, e a junção do trio Capril do Bosque, Pirineus Embutidos e Pardinho Artesanal, a despeito de outros que possam estar ali, cumpre bem demais o que promete. A partir de tais opções o desafio passou a ser na carta de vinhos.

Bem mais modesta que a gama de opções oferecidas no mundo das cervejas, ela é precisa e honesta. Quem nos atende logo explica que trabalhar com vinhos é opção mais recente. Ainda assim, o acerto é alto. As bebidas começam de R$ 75 e as opções estão atreladas a vinicultores nacionais ou importados menos convencionais que se preocupam com aspectos ambientais. Encontrei por lá o bom Regeneración Bonarda, da família de um amigo argentino que vive aqui em São Paulo, e um rótulo da Guatambu – o Da Estância, um dos mais simples da casa feito a partir do encontro das uvas Tannat, Cabernet Sauvignon e Tempranillo, as duas últimas aquelas que mais bebemos e a primeira a nossa queridinha uruguaia.

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Optamos pelo nacional, que em sua safra 2015 rotulado com etiqueta azul está muito melhor que o 2014 de selo branco comprado e bebido ano passado no Mercado de Pinheiros. Aquele era doce, difícil, mas esse não: estava bem redondo, fresco, vivo, com acidez que me agrada e absolutamente capaz de dialogar em bom estilo com tudo o que nos foi servido. Três embutidos, de uma copa cuidadosa, passando por um bom fuet e terminando num salame típico de Segóvia temperado com muito pimentão espanhol, o cantimpalo; e dois queijos, um canastra envelhecido com casca divina e o intenso pirâmide, do Capril do Bosque. Pão, picles, geleia e mel completaram o jantar. O vinho passou bem demais, sem comprometer. Em alguns casos harmonizou de forma muito precisa.

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Detalhe adicional e essencial: o cuidado da casa com a bebida. A garrafa chegou à mesa na temperatura certa, vinda diretamente da adega. Aqui algo que precisamos fazer sempre: vinho tem exigências fundamentais para que possa entregar aquilo que pretende. E a temperatura é variável essencial. Restaurantes que não atentam para isso – e são muitos – retiram do cliente o prazer de fazer com que a bebida escolhida renda o máximo da satisfação que tem a oferecer. O Cateto, por tudo o que apresento acima, é efetivamente e a despeito de sua afeição mais clara à cerveja, um ótimo lugar para se comer bem, dentro de sua proposta, e se beber um vinho dignamente.