Não escondo de ninguém minha admiração pela uva Alvarinho, base para os respeitados vinhos brancos produzidos no norte de Portugal e na Galícia. Capazes de harmonizar perfeitamente com o que o mar nos oferece de melhor, passei a observar com muita atenção o que outros países fazem com ela. Já tomei alvarinhos muito bons no Uruguai, e raros vinhos produzidos a partir dela no Brasil e nos Estados Unidos. Faltava, no entanto, visitar quem tem tradição nessa casta.

Foi principalmente por isso que pegamos um avião no dia 23 de dezembro e fomos parar no Porto. Depois de alguns dias por lá, tomamos um trem para Vigo. Cidade linda, que ofereceu muito mais do que imaginávamos. Uma noite foi pouco, mas era o planejado. De lá alugamos um carro e voltamos para Portugal. Mais especificamente para Monção, onde está localizada a Quinta da Teimosa. A propriedade fica fora da cidade, mas todo o caminho é pavimentado e seguro. Chegamos ao portão, tocamos a campainha, buzinamos, batemos palma e nada de nos atenderem. Lemos em nossa reserva que prometíamos aportar entre cinco e seis horas da tarde, ainda eram quatro. Isso nos convidou para uma rápida chegada a um supermercado. Compramos guloseimas, e calculamos que valeria a pena jantar no quarto.

Na volta, nem encostei a campainha e o portão se abriu. Rosário, funcionária da casa, nos atendeu com sorriso largo e simpatia absoluta. Em seguida veio Pedro, o proprietário. Baita dupla. Quando subimos para conhecer nossos aposentos notamos que se tratava de um belíssimo apartamento. Ao todo são apenas três, e tenho certeza que ficamos no melhor. Sala, banheiro, quarto e cozinha, tudo bem equipado, espaçoso e confortável. Decoração simples, mas muito agradável. Taças, fogão, pequena geladeira, utensílios, tudo convergia para altas aventuras gastronômicas. Pedro nos deixou à vontade, mas disse que nos esperava para falar sobre o seu vinho.

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Descemos, e logo engatamos uma deliciosa conversa. O cozinheiro que viria preparar o jantar do final do ano desistira da empreitada, e quando soube que a Ka é chefe de cozinha, logo avançaram sobre o menu. Papo agradável, que ficou ainda melhor quando abriu a garrafa de seu filho único: o Milacrus. Um alvarinho delicioso, com passagem discreta por barricas usadas de carvalho – presente de Anselmo Mendes, amigo de Pedro e um mago da uva.

Teimosa

Fonte: Vinícola

A produção é pequena, apenas três mil garrafas vindas de vinhedos próprios que rodeiam a propriedade. Pedro diz que o vinho está na família e recorda-se com carinho do trabalho do avô para o abastecimento doméstico. Disse que o vinho produzido atende seu gosto pela bebida, seu interesse por chegar a algo que lhe agrade. Depois de alguns goles percebo que ele não está sozinho em seus sentimentos: seu vinho agrada a qualquer pessoa capaz de notar o que é um belo alvarinho. A conversa flui, e investimos quase que sobre toda a garrafa. O ponto alto se concentra no equipamento manual que seu marceneiro fez para etiquetar suas garrafas. Um espetáculo que os filhos o ajudam a controlar enquanto nos dá atenção. A realidade do hotel se mistura à lógica familiar e nos coloca ainda mais à vontade.

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No dia seguinte, depois de uma noite de silêncio e paz absolutos, acordamos cedo com um sol tímido entremeado pela chuva que nos revelaram pela janela uma linda paisagem. Alvarinhos e mais alvarinhos, os mais belos vinhedos na janela da sala, o que para mim é um verdadeiro milacrus.

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