Um dos maiores desafios do mundo dos vinhos é definir do que efetivamente gostamos. Primeiro vencer alguns preconceitos, e aqui no Brasil entendo que o maior de todos eles está relacionado aos vinhos rosés – as vítimas principais de quem não se esforça para entender que nesse tipo de bebida tem coisa boa demais (reservarei um capítulo especial do blog pra eles). Segundo compreender como podemos ler e entender alguns rótulos, pois nem sempre o que nos vendem como algo extraordinário de fato é. A maior de todas as armadilhas está associada a palavras mágicas como “Reserva” ou “Gran Reserva” que dão ao consumidor um repente de certeza de que está comprando algo “melhor”. E isso nem sempre ocorre. Assim, o ideal é entender um pouco dos rótulos, pois cada país, e por vezes cada região, tem uma forma específica de “se comunicar” com o mercado. E nesse caso, por vezes, informações básicas como a uva ficam de fora.

Aí vem o nosso ponto central: como sei de qual uva gosto se por vezes sequer sei de que uva o vinho é feito? O novo mundo e seus vinhos mais simples têm mostrado com grande destaque no rótulo a casta da qual o vinho é feito, ou o blend que gerou aquele exemplar. Mas existem produtores que já não se preocupam mais com isso. Na Argentina é bem comum alguns rótulos de Mendoza, a mais conhecida das regiões do nosso vizinho, deixarem de lado o fato de que a Malbec é a sua uva principal. No Brasil, alguns produtores de espumantes têm deixado de fora a especificação da Charddonay como sua principal casta. Mas é no velho mundo que a tradição faz com que esse tipo de informação seja deixada efetivamente de lado em muitos casos.

Frontera_Pinot_Noir(destaque para a casta – Pinot Noir – no rótulo)

Na Espanha, por exemplo, a sofisticada e tradicional região de Ribera del Duero exige em documento que especifica as regras do seu conselho regulador desde 1992, que pelo menos 75% do vinho tem que ser produzido a partir da uva Tempranillo, ou Tinta del País. Assim, para alguns dos produtores: por que colocar a uva no rótulo? Os Chianti, da Itália, e parte dos mais famosos vinhos da Toscana, como o Brunello di Montalcino e o Nobile di Montepulciano, bem como o Rosso dessas duas localidades, são gerados a partir de forte carga da uva Sangiovesi. Ao norte do país, onde reinam os Barolos, a base é a Nebbiolo. Em Rueda, terra de vinho branco na Espanha, a atriz maior é a Verdejo, podendo ser combinada com Sauvignon Blanc e ainda levar o selo de denominação de origem. Na Borgonha, os tintos a base de Pinot Noir não especificam isso de forma tão clara, e em Bordeaux o consumidor precisa saber em que ponto da região está para entender se predominará a Merlot ou a Cabernet Sauvignon. A prática se repete em tantos outros locais, de forma a manter a uva como uma informação menos clara. Mas e o consumidor que entende que encontrar a uva é parte das descobertas que o levará a definir com clareza o que esperar de um vinho?

Banfi_BrunelloBordeaux

 

 

Essa é a grande questão: quem disse que a partir de uma mesma uva, cultivada em lugares tão distintos, por exemplo, chegaremos a um mesmo vinho? Ou a algo parecido que agrade com certeza? Em Portugal os vinhos verdes feitos exclusivamente da uva Alvarinho, que poucos quilômetros ao norte do país aparece como Alvariño na espanhola Galícia, são bem diferentes das experiências do Uruguai e do Brasil com essa uva. Por sinal, em nosso vizinho ao sul, a Garzón, casa em Maldonado, tem envelhecido Alvariño em carvalho e feito um belo vinho. O mesmo ocorreu com a Hermann e seu Alvarinho Matiz, no Brasil. Muito interessante, mas os sul-americanos são tanto mais encorpados e diferentes daquilo que tomamos na Ibéria. E agora?

Pois é: muitos especialistas dizem que é mais fácil apostar numa região do que numa uva. E a partir desse gosto, estudar e entender o território. O “problema” é quando esta localidade resolve mudar o semblante de seus vinhos. Ou fiscaliza pouco e mal as suas diferentes casas. Para terminar: safras, regras, investimento na produção e produtores distintos fazem vinhos muito diferentes. Vai dizer então o consumidor: é tudo um golpe de sorte, encontrar um vinho que agrade? Longe disso, pois existe sim um fio condutor, uma lógica razoável em cada local, mas talvez a uva não seja o principal elemento que determinará de qual vinho o sujeito vai gostar com a mais absoluta certeza a despeito de todas as outras variáveis aqui observadas. O jogo é mais complexo, e por isso talvez seja tão delicioso. Um exemplo para terminar: Protos, uma casa importante de Ribera del Duero faz ótimos vinhos, mas seu crianza anda leve demais de algumas safras para cá – uma opção de tirar a carga de carvalho da bebida. Já o Viña Pedrosa crianza continua magnificamente tradicional e encorpado. Ambos da mesma região, em anos idênticos, certamente respeitando as mesmas regras, com base na mesma uva, mas com percepções distintas sobre seus produtos. A chave é a uva? Qual a sua uva predileta?

protos crianza Pedrosa

Todas as fotos retiradas dos respectivos sites das casas produtoras.