Quantas garrafas de vinho nós devemos abrir durante um bom jantar? Depende, obviamente, da quantidade de pessoas envolvidas, do tempo destinado à refeição, do orçamento e tantas outras coisas. Aqui em casa, quando recebemos um casal de amigos, o comum é abrirmos um espumante para aquele brinde especial de boas vindas, uma garrafa entre as entradas e o início do jantar, e uma última para servir com o prato principal.

De uns tempos para cá fizemos, em algumas ocasiões, uma troca muito especial: deixamos de lado o espumante, sobretudo em dias frios, e colocamos em seu lugar um vinho de sobremesa. E colhemos surpresas agradáveis que devem ser entendidas a partir de três diferentes vinhos de origens distintas. Primeiramente os franceses, depois os húngaros e, por fim, os sul-americanos – a despeito de existirem diversos outros lugares a serem descritos ou explorados.

No caso da França a região mais comemorada é Sauternes. Chegamos à pequenina cidade em junho de 2013. O local se resumia a uma simpática praça com bancos de cimento, uma loja espalhafatosa que deixamos de lado e um imóvel muito bonito com toldos amarelos – tudo cercado de poucas casas, uma igreja mais distante e muitos vinhedos. A casa dos toldos é a loja dos produtores, onde ninguém falava nada diferente do francês e com certa má vontade nos venderam três garrafas de vinho – aqui elas costumam ser acondicionadas em vasilhames de 375 ml, que chamamos de meia-garrafa, e custam caro. Os Sauternes são sublimes, doces, elegantes, de um amarelo intenso que o faz ser comparado ao sol ou ao ouro – o amarelo dos toldos não é à toa. A principal uva é a Sémillion. Sua acentuada doçura, que oferta o padrão natural licoroso desses vinhos, se dá a partir da proliferação de um fungo chamado de Botrytis cinerea conhecido como podridão cinzenta ou, em situações especiais, podridão nobre. É essa nobreza que confere ao vinho um padrão inigualável. Os preços dessas pequenas garrafas, ou desse lote de ouro engarrafado, chega ao Brasil, em seus rótulos mais simples, a R$ 120 (375 ml). Mas o comemorado Château d’Yquem pode chegar a algo entre dois e dez mil reais – algo que nunca provamos. A boa surpresa é que no Carrefour, por vezes, encontra-se o La Cave du Augustin Florent, um Sauternes muito simples, por R$ 40, permitindo a percepção do que estamos tratando aqui.

CArrefour - sauternes

Fonte: Carrefour

No caso da Hungria a região mais comemorada é a Tokaj, na fronteira com a Eslováquia. Seus vinhos têm como principal uva a Furmint, que lhe dá um sabor muito diferente dos brancos mais comercializados por aqui. Existem bons húngaros e eslovenos feitos 100% dessa uva sem a composição com a fruta colhida tardiamente. Como nesses casos costumam ser mais acessíveis, vale a pena experimentá-los antes de comprar o que existe de mais complexo. Em relação aos vinhos de sobremesa, comercialmente são chamados de Tokaj e seu preço alto varia de acordo com o que se chama de “puttonyo” – representado por um simpático balde de madeira que lhe confere a medida. Tratam-se de 25 quilos de uva botritizada (atacada pelo fungo da podridão nobre) adicionada a cerca de 136 litros de vinho base. Para receber a denominação Tokaji aszú é necessária a adição de um mínimo de três baldes e um máximo – e raro – de seis. Normalmente vendidos em garrafas de 500 ml, um bom três putttonyos no Brasil pode ultrapassar facilmente os R$ 150 e um cinco, que tomamos esse ano pela primeira vez com um casal de amigos, ultrapassa R$ 300 – o Royal Tokaji.

red_blue_label

Fonte: vinícola

Por fim, encontramos vinhos chamados de “colheita tardia” no Chile e no Brasil com enorme facilidade, e até mesmo no Uruguai. A vantagem dos dois primeiros são os preços, apesar de a qualidade ser inferior quando tratamos do fato de serem muito baratos. Claro que existem vinhos caros desse tipo em tais nações, mas não em nosso universo de conhecimento e prova, com exceção ao uruguaio. Assim, o que bebemos do Chile foi um Santa Rita late harvest de 500 ml à base da casta alemã Gewustraminer. Estava apenas razoável. No Brasil, temos bebido muito o Aurora colheita tardia feito a partir de Malvasia. Trata-se de um vinho delicado de sobremesa, que custa menos de R$ 25 nos supermercados e oferece uma síntese bastante simplificada e correta do que significa um vinho desse tipo. No Uruguai, a excelente Família Deicas produz o excepcional Botrytis Noble, que nunca vi em loja alguma aqui no Brasil, mas é facilmente encontrado no free-shopping de Montevidéu. Trata-se de um vinho que envelhece em barrica de carvalho, feito com um blend que envolve a Sauvignon Blanc e é vendido em garrafas de 500 ml.

Importante salientar que o termo “colheita tardia” nem sempre carrega consigo o nobre fungo, mas a colheita feita após o prazo considerado padrão faz com que a uva desidrate e a concentração de açúcar aumente. Isso faz com que a bebida seja mais doces e ideais para sobremesas. Em todos os exemplos trazidos aqui, as nossas harmonizações se deram a partir de queijos azuis e doces delicados a base, principalmente, de pera – que podem ser combinados. Experimente. Comecemos de forma mais tranquila e barata, e se agradar, subamos os degraus da glória dos vinhos.

auroraBotrytis-Noble-11

Fonte: Adega 9 / Penélope Charmosa