Um amigo comprou em leilão uma adega completa de um colecionador que faleceu e não tinha herdeiros. Na coleção, rótulos raríssimos, como uma Cristal 1988, um champagne absoluto, e outras tantas raridades. Coisas muito especiais e algumas mais acessíveis, mas igualmente desafiadores e geniais.

Dia desses, estávamos conversando em sete pessoas e ele saltou da cadeira dizendo que escolheria algo na adega arrematada. O acompanhei na análise e a primeira garrafa puxada foi um Quinta da Pacheca. Algo na garrafa me chamou a atenção, e não foi a palavra Reserva, que por vezes em Portugal não carrega consigo todo o glamour que a Espanha empresta ao termo, por exemplo. As informações que se destacaram para mim, e que em terras lusitanas, e principalmente nesse caso, no Douro, não costumam falhar foram: “vinhas velhas” e a safra 2011.

As vinhas mais antigas em atividade na Pacheca, para emprestar nome ao rótulo, foram plantadas em meados do século passado. O plantio mistura castas nas vinhas, e no contra rótulo daquele simpático vinho estavam citadas sete especialidades distintas – Touriga Franca, Touriga Nacional, Tinta Roriz (a Tempranillo no Douro), Tinto Cão, Sousão e outras duas que não me recordo com precisão. As vinícolas portuguesas costumam dar tratamento muito especial para as tais “vinhas velhas”, ou seja, aqui poderíamos ter um vinho muito especial. Preste atenção sempre a este termo quando destacado nos rótulos.

Sobre 2011, mais um elemento de grande louvor. Quem descreve vinhos do Porto Vintage costuma se referir à safra 1970 como emblemática. Em 2003 e 2017 também tivemos algo muito especial em tempos mais recentes, mas 2011 é relatado como um ano excepcional, unânime e exuberante. Isso significa que vinhos de guarda, a despeito dos vinhos do Porto, da região do Douro merecem atenção máxima quando trazem esse ano no rótulo. Aqui em casa vivemos, durante algum tempo, enquanto essa safra era encontrada com mais normalidade no mercado, uma verdadeira caça aos Douro 2011. Ao todo, registrados até o começo desse ano, foram 13 rótulos bebidos, com alguns achados muito especiais: o Espinho Reserva, o Vinha Grande, o Gaivosa e o Dourum Reserva old vines.

DuorumReserva Gaivosa Quinta do Espinho Vinha Grande

Diante de tais elementos, e percebendo meu encantamento com o que tínhamos em mãos, resolveu-se abrir a tal garrafa de Quinta da Pacheca reserva vinhas velhas 2011. A rolha já dava algum sinal de tentativa de escape e o lançamos em um decanter. Naquela provinha inicial ele já se mostrou muito intenso em frutas vermelhas, sendo que a Ka destacou algum elemento de raiz de tomilho. O tempo respirando só o fez melhorar e bebemos algo muito especial no sábado dia 04 de março. Exuberante, eu diria. No site da vinícola, que produz desde o século XVIII, destaque para 18 meses em barris de carvalho francês para esse rótulo, ao menos em 2017 – outra safra especial demais para o Douro, como já destacado. Para completar, reproduzo aqui um texto do blog português Lugar de Baco. Trata-se de uma resenha de 2014 sobre o nosso companheiro de 2011, lá descrito da seguinte forma:

“De tom rubi algo carregado, nariz discreto, marcado pela fruta vermelha e um leve tom a baunilha, envolto num subtilíssimo tostado proveniente das barricas. Boca marcada por uma frescura que se estende ao longo de toda a prova, boa fruta, algo especiado e complexo, taninos vivos mas bem domados, madeira muito bem integrada, assim como os seus 15% de álcool, cheio e poderoso, detentor de uma excelente estrutura, termina longo e persistente”.

Pacheca

Sinceramente, não vejo razão para acrescentar qualquer elemento. Apenas que em outra passagem, o autor diz que entende que o vinho poderia ser tomado naquele ano, 2014, mas que experimentaria guardar por mais tempo. Aqui a resposta com base no que vivemos ontem: valia, realmente, a pena esperar. Os 12 anos que separam a safra da abertura da garrafa mantiveram vivas essas características, mas deram ao vinho uma maturidade muito especial. Com um detalhe: na adega do meu amigo ainda ficaram duas garrafas…