Cariñena é uma pequena cidade da Espanha com menos de quatro mil habitantes, nos arredores de Zaragoza, que dá nome a uma denominação específica de vinhos. A Garnacha parece reinar no local, dando sequência à lógica que impera em regiões catalãs relativamente ao sul dali. Os vinhos são, por vezes, alcoólicos demais, ultrapassando facilmente a casa dos 14% – o calor excessivo deve explicar o resultado. O glamour de outras localidades do país passa longe daqui, o que torna o produto mais barato. Isso não significa que você vai beber vinhos ruins, muito pelo contrário. Ao longo dos últimos anos, inclusive, bebemos rótulos desse local que foram melhorando em avaliações com o passar das safras. Uma garrafa de 2011, bebida em 2017, não agradou. A 2012 consumida em 2015 também passou difícil. Uma 2016 comprada em 2019 não deixou saudades. Salvamos um vinho de 2012 bebido em 2014 e, agora, uma nova investida sobre a safra 2019 em virtude de bons preços encontrados. Pronto! Aqui parece ter coisa que nos agrada. Repetimos o Care Roble que conhecemos em 2014 e foi considerado bom, e revisitamos o Esteban Martin de 2012 que consumimos em 2015 e estava difícil. O resultado surpreende.

A média do Care é 3,6 no Vivino. A safra que tomamos é 2019 e esta vai à nota 4,0. Ao longo dos últimos anos a garrafa mudou de formato, bem como o rótulo foi repaginado. Em Madrid achei a cinco euros, na vinícola custa seis, e na Inglaterra sai por cerca de dez libras em pesquisas virtuais. Aqui no Brasil estima-se em mais de R$ 80, e paguei R$ 78 na Cava Tappi, na zona oeste da capital paulista. Já a média do Esteban Martin no Vivino é 3,5, e a safra 2019 que bebemos atinge 3,6. Na Wine, na Amazon e no Superville – sim, comprei recentemente três garrafas, uma em cada lugar desses – custou entre R$ 50 e R$ 44. Em Madrid achei por cerca de cinco euros e na Inglaterra por aproximadamente oito libras.

Em resumo: existe uma diferença aguda de preço em nosso país, talvez motivada por volumes de importação e capacidade de negociação. Mas é na boca, e não no bolso, que vem a revelação mais interessante. Care é um roble (carvalho, em espanhol), enquanto Esteban se diz um joven (jovem, e muito provavelmente sem passagem por barricas). O primeiro passou dois meses descansando em carvalho francês e é um corte de 75% de Garnacha com 25% de Shiraz. A casa fica localizada ao lado de Cariñena. Esteban, cuja vinícola fica a cerca de 15 quilômetros da sede do conselho de origem, não tem registro de madeira em suas descrições no site da vinícola, e em algumas apresentações desencontradas se indica que existe um equilíbrio maior entre estas mesmas duas castas – a Garnacha e a Shiraz.

Os bebemos com cerca de uma semana de diferença. Na boca, se a degustação fosse às cegas, o bebedor teria que demonstrar boa experiência para justificar quem é quem na história. O Care tem 14,5% de álcool, um grau a mais que o Esteban. Talvez aqui fosse possível dizer algo, mas as duas bebidas são bem equilibradas e entregam algo que deve ser, seguramente, a característica marcante do local. Compare a descrição dos sites de seus respectivos produtores:

De color rojo intenso, fresco, muy afrutado y lleno de juventud. Con notas de frutas rojas, frambuesas y fresas, y sutiles aromas florales – Esteban Martin

Intenso color cereza con reflejos en tonos violetas, que dan como resultado una apariencia atractiva. Compleja nariz con perfumados y maduros frutos rojos y negros. Al paladar, el vino muestra su poder frutal con un perfecto equilibrio, intenso y con volumen. Final largo – Care

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Perceba: não há grandes diferenças. Assim, voltemos para a frase “mas é na boca, e não no bolso, que vem a revelação mais interessante”. E vamos concluir que a diferença de preço não se percebe na boca. Aqui, facilmente, você pode comprar o vinho que custa R$ 44 na Amazon e não terá nada que justifique pagar, pelo outro, cerca de R$ 80. Agora, que fique claro: para descobrir isso precisamos testar, avaliar, arriscar, perceber e conhecer. E esse é o lado mais gostoso de toda essa história. Quem sabe um dia não aparecemos em Cariñena para entender melhor tudo isso?