Fechamos o ano passado com um total de 2.425 vinhos catalogados em nossos registros ao longo de mais de 11 anos. Parte absolutamente expressiva desse volume tem seus rótulos guardados em 17 cadernos que se transformaram em diários de nossas vidas. E o que caracteriza de maneira mais fascinante todo esse universo atende pelo nome de diversidade.

São vinhos de 35 países, mais de 330 regiões delimitadas nos rótulos, 145 uvas que predominavam em blends ou estavam sozinhas no vinho engarrafado. Diante disso, fico pensando que a antítese desse comportamento está associada àquele costume de um admirador beber sempre o mesmo vinho, mudando apenas a safra, porque “sabe do que gosta”. Será mesmo que sabe? A síndrome do “paladar infantil” não pode, na minha opinião, estragar o que o mundo do vinho tem de mais bacana que é experimentar. O que não representa que um bom admirador não possa ter linhas e tendências que busca seguir e repetir. Particularmente, nesse caso, eu as tenho. E todo mundo que sabe “o que gosta” está preparado para variar. Vamos a um exemplo típico e bastante comum no Brasil.

A uva que reina na Argentina é querida demais por aqui. Estou falando, obviamente, da Malbec. Gosta? Se sim, ótimo. Gosto é gosto. Mas vamos tentar fazer algumas brincadeiras. Aqui em casa ela é a sétima casta mais consumida e registramos 113 vinhos onde ela predomina, sendo que 83% vieram da Argentina, a imensa maioria de Mendoza e suas sub-regiões. Mas onde estão os outros 17%? Percebe onde quero chegar? Por exemplo: já provou um Malbec de Cahors? Trata-se da região onde a casta predomina de forma absoluta na França. Nós bebemos oito garrafas, inclusive coisa que compramos numa loja na própria localidade. Mas não ache que será difícil encontrar um Cahors no Brasil, pois muitas lojas costumam dar opções desse tipo. E o que ele tem de diferente? Muito menos potência, e principalmente, menos madeira, menos carvalho. Os franceses gostam da ideia do uso de barricas mais antigas, que não alteram tanto o que o terroir tem para oferecer ao bebedor. Experimente. Será um vinho menos intenso. Comece pelo Marcel ou pelo Carte Noire.

MarcelCarte Noir

E do Brasil? Bebemos 8% de vinhos dessa uva produzidos em solo nacional, onde se destaca com certa folga o que a Almaúnica fez sob sua linha reserva. Trata-se de um vinho ácido, como de costume se faz no Brasil e no Uruguai, mas com uma elegância e intensidade que nos agradam demais. Quer opções? Na região dos Campos de Cima o Zanotto, da Campestre, não leva carvalho e entrega algo bem agradável e mais acessível ao bolso. E se preferir ousar um pouco mais, do Paraná vem o Sincronia, produzido pela Franco Italiano.

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Outro desafio bacana utilizando a Malbec como exemplo: eu tenho a evitado, em vinhos argentinos mais acessíveis, em versão solitária. Eles me parecem melhores quando combinados com outras castas, o que corta um pouco o que entendo ser um certo exagero de doçura que aparece em vinhos que não recebem tanto aporte de madeira – isso pode ser apenas uma impressão. Assim, Cabernet Sauvignon ou Franc, Shiraz, Bonarda, Ancellotta entre outras são ótimas companhias para mesclas com a uva queridinha da Argentina que tem público cativo no Brasil. Percebe?

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Ao encontrar seu vinho predileto, com potencial para caber no bolso e ser repetido diversas vezes, considere a variação. Se um Malbec com Cabernet de uma determinada casa o agradou, nada melhor do que pensar nessa mesma combinação sob outros rótulos e produtores. É isso que vai gerar o acúmulo delicioso de experiências. E não por um acaso, dos quase 2.500 vinhos bebidos e registrados nos últimos anos, apenas 30 foram repetidos cinco vezes ou mais. Ao todo, são 1.730 rótulos exclusivos, com 1.394 bebidos uma única vez, sendo 1.607 no máximo duas. E somente cinco bebidos mais de 10 vezes. Percebe? Riscos, curiosidade, diversidade, vontade de provar e conhecer. E se der errado? Provavelmente a próxima aventura, pra quem entende do que gosta e ama, será melhor. Saúde!