Esse ano viajei para o norte de Portugal e para a Galícia pronto para uma prova intensa sobre o meu paladar: do que eu gosto mais? Dos Alvarinhos produzidos entre Monção e Melgaço (Portugal), ou dos Albariños produzidos nas Rías Baixas (Espanha)? Que pergunta deliciosamente difícil de ser respondida, sobretudo em se tratando de uma viagem de férias onde escolhemos o que fazer e como fazer.

Deixamos a cidade murada de Valença e em minutos chegamos à Espanha. Do outro lado está Tui, e ambas são praticamente separadas por um rio, o Minho. Ao sair rumo ao meu destino, mais ao norte no litoral da Galícia, o proprietário do hotel me sugeriu que passasse em Santa Tecla, uma montanha no lado espanhol que permite uma vista magnífica da foz do Minho em seu encontro com o Atlântico. O dia estava muito bonito, e notei que teríamos uma cena incrível. Acertamos em cheio.

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Ao redor da montanha que subimos de carro para atingir uma estrutura turística bem montadinha, que numa manhã de terça-feira estava deliciosamente vazia, está Rosal. Trata-se de uma das cinco sub-regiões das Rías Baixas, famosa por seu cultivo de Albariños. Somadas a ela, ainda temos Salnés, Condado, Soutomaior e Ribeira do Ulla.

Aqui pensei em visitar uma vinícola, mas ficamos tão deslumbrados com a paisagem que nos perdemos no tempo. Assim, optamos por seguir maravilhados pelas estreitas rodovias da costa aproveitando o cheiro do mar e a exuberância do sol. Pouco antes de chegarmos à estruturada e simpática Baiona, onde almoçamos, a surpresa de nos depararmos com a imponência do Farol do Cabo de Silheiro. Sou fascinado por esse tipo de construção e sempre as procuro em nossas viagens. Esse não estava em meu radar, e foi um dos mais lindos que conheci.

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Fonte: Foto de Jesus

Baiona tem um hotel da tradicional rede Parador que, a exemplo de tantos outros, impressiona pela grandeza e pela manutenção de características históricas de seus edifícios – condição para a marca se instalar. Deixamos o carro no seu estacionamento e caminhamos pelas areias da praia que margeia a fortaleza, onde também há uma pequena marina. Nos perdemos um pouco pelas ruas e como de costume entramos no mercado municipal. O local é bem arrumado e um restaurante simples convidava para o menu do dia. Bebemos o vinho da casa, e lá já estava a Albariño em seu estilo mais simples numa harmonização perfeita com peixes muito frescos que nos foram servidos. Seguimos viagem e no meio da tarde chegamos a Vilagarcia de Arousa – nosso destino final.

O hotel fica numa ponta de praia, local tranquilo onde os moradores se chamam por apelidos carinhosos e todo mundo conhece os cachorros alheios pelos nomes. Trata-se de uma suposta vila de pescadores, mas o valor da extração de mariscos e a potência da pesca escondem, facilmente, conflitos e disputas de ordem econômica. Deixemos isso de lado, estou de férias.

Quando me identifiquei no bar-restaurante da hospedaria o check-in estava por conta de um simpático brasileiro que reafirma a capacidade de o nosso povo receber bem. Ao longo das três noites que lá ficamos não foram poucas as interações com Vanderlei e com sua filha Bárbara, que também trabalha em A Esmorga – o hotel. No restaurante, provamos iguarias geniais vindas da cozinha, onde uma sorocabana também brilha. A taça de Albarño que nosso anfitrião nos oferece é traduzido por ele como o vinho da casa, feito por um produtor local que sequer rótulo coloca na garrafa. Trata-se, aparentemente, de um daqueles segredos geniais. Na última noite tentamos variar um pouco e bebemos uma garrafa de Burgáns, uma das opções mais em conta do cardápio que se casou perfeitamente com mexilhões e vieiras. Incrível.

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Fora do hotel visitamos duas vinícolas que merecerão capítulos especiais a partir da próxima semana. Mas no dia de nossa chegada fomos caminhar na orla, pela areia. Conversa boa, frio suportável, e quando percebemos o hotel ficou pequenino às nossas costas. Tempo de escolher bares e restaurantes que abundam na avenida principal, reforçando o que o espanhol mais gosta de fazer: sair para a rua no final do dia para tomar algo com amigos e familiares. A cidade, mesmo numa noite de terça-feira, pulsa. O local que escolhemos ferve a ponto de ter apenas uma mesa num jardim aos fundos com barricas e banquetas espalhadas. O atendimento é ruim, típico de quem está acostumado a receber apenas os locais. Não há problema, é só o jeito de ser, e conseguimos uma boa tábua de queijos galegos, alguns embutidos e uma garrafa de Treixadura, ou Trajadura, somada à Godelho, ou Gouveio, que despertou nossa curiosidade. Vinho branco mais simples, o Xanandro não deixou saudades, mas cumpriu bem seu papel. Na volta, mais de 23h00, ruas desertas, e um sentimento absoluto de segurança. Pois é. Quem sabe um dia viveremos isso por aqui?

Ribeiro-Xanandro

A tarde do dia seguinte nos reservaria mais uma surpresa bem agradável. Escolhemos nos perder pela costa da Galícia. Estava anoitecendo tarde, mas sem o calor as praias ainda estavam vazias e o trânsito amigável. Em Cambados, entramos num restaurante que oferecia um simpático menu, e com uma taça de Albariño comi os mexilhões frescos mais perfeitos da vida. Na sequência, um polvo genial e a certeza de que não é necessário sofisticar para se comer bem.

Esse capítulo da viagem termina na manhã de sexta-feira dia 09 de abril. Duas noites no Minho e três em Rías Baixas. E a resposta à pergunta inicial? Pois é: entendi, e sei que preciso estudar mais isso, que a região de Monção e Melgaço, onde está a excelência do Alvarinho português, é protegida por duas montanhas que oferecem ao local características únicas para a produção de vinhos. A primeira fica mais perto da costa, e a segunda depois de Melgaço. Isso representa dizer que o vinho sofrerá menos o ataque do mar e as vinhas viverão num sistema único. Já nas Rías Baixas, a despeito das diferenças entre suas sub-regiões, percebi que Salnés é o que existe de mais inacreditável e puro em matéria de Albariños. Ali a maioria das casas mais cuidadosas se utilizam unicamente da casta. Lembre: em muitos lugares do mundo, quando mais de 75% do vinho utiliza uma determinada uva, os produtores estão autorizados a dizer, se assim desejarem e acordarem, que aquilo se trata de um varietal. É o que alguns produtores de Salnés falam de casas de Rosal, mas não vou entrar nesses conflitos sem os compreender melhor. O que posso dizer é que depois dessa viagem, meu paladar voltou mais propenso a beber Albariños do que Alvarinhos. Portugueses são mais equilibrados, buscam uma lógica mais floral. Os espanhóis são mais intensos, parecem mais ácidos, cítricos e, sobretudo, minerais. E isso, com alimentos que vêm do mar, se mostra absoluto em termos de harmonização. Mas para não cravar com tanta certeza a soberania espanhola, fiquei com a sensação de que alvarinhos mais estruturados, com alguma capacidade de envelhecimento, podem se dar melhor com carnes vermelhas e pratos mais complexos. Pronto. Agora é com você. Monção & Melgaço ou Rías Baixas, com destaque para Salnés? Saúde.