O último final de semana de maio nos escancarou uma tragédia em Pernambuco. Chuvas torrenciais em volume acumulado assombroso colocou milhares de famílias em situações desumanas. Coincidentemente estive no estado, e senti de perto as dificuldades, sobretudo, na Grande Recife. Não há como comparar o conforto de quem apenas perdeu um voo com a dor de quem ficou sem casa e sem vida. Isso não está em questão. Foi tudo muito difícil. E registro aqui minha solidariedade.

A despeito de tal aspecto e da necessidade de sempre prestarmos muita atenção aos que passam por dificuldades, foi um final de semana em que pude conhecer a cidade de Caruaru, no interior do estado. Próxima de Gravatá e destino de quem gosta de frio, sempre duvidei que efetivamente fosse possível viver um clima serrano no Nordeste brasileiro. Ignorância absoluta de minha parte, o que a cidade me mostrou é uma intensa relação de amor e respeito, de muitos de seus moradores, pelo vinho e pela boa gastronomia. E isso, para os nossos fins aqui, é muito especial. Quem vai para Caruaru pode anotar: vai beber e comer muito bem. Terá opções de sobra, e excepcionais surpresas.

Minha aventura começa pela noite de quinta-feira. Um amigo querido passou no hotel onde eu estava hospedado depois das 22h00 com a promessa de jantarmos e bebermos um bom vinho. Conversa fácil, diversão garantida, e lá fomos nós: eu, ele e sua esposa. O restaurante escolhido trata bem a bebida. E isso ficou evidente pela forma como o Faniif expõe o vinho numa ampla prateleira bem iluminada. O local tem bom gosto, o cardápio é repleto de boas alternativas e a carta de vinhos tem algo muito especial: raridades brasileiras. Nunca imaginei, por exemplo, ver um Torii, vinho catarinense incomum nas cartas do próprio estado, disponível no interior de Pernambuco. Pois bem: estava lá.

Minha anfitriã, ao contrário de mim que sou um mero bebedor curioso, estudou o assunto, entende do riscado e assumiu a carta, fazendo seus pedidos. Chegam à mesa um Tempos de Góes Malbec e um Trumpeter Cabernet Sauvignon que ela me deixa à vontade para eleger. Ainda não consigo acreditar em grandes resultados da casa de São Roque, interior de São Paulo. Peço perdão, mas ainda preciso receber uma taça sem ter escolha para provar. E desconfio que vou beber algo bom. Mas diante da escolha que me foi dada, opto pelo argentino. Importado pela Zahil, o rótulo da Rutini já brilhou aqui em casa no blend de Shiraz com Malbec por muito tempo. A escolha foi fácil, o valor cobrado honesto – R$ 150 na carta e R$ 136 na importadora. Gostamos do que pedimos. Valeu a escolha, sobretudo quando chegou à mesa o croquete de rabada que mais me lembrou a perfeição comida em Jerez de la Frontera em 2015 e 2020 sob o nome de croqueta de cola de toro – croquete de rabo de touro. Estava muito, muito bom. E se casou perfeitamente com o vinho. Golaço.

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Imaginei que ficaríamos em apenas uma garrafa, mas a conversa fluiu bem, as saudades eram grandes e o cansaço foi mascarado pelas risadas. Fiquei com a incumbência de chamar uma segunda garrafa. A mesma? Seria uma ótima opção, mas eu não aguento. Preciso descobrir, desvendar, variar, mesmo que erre. Não resisti, e pelo mesmo valor abrimos o Torii Cabernet Sauvignon. Para o meu gosto, bem mais perfumado que o primeiro e com um toque intenso de carvalho que lembrou algo reportando menta. Estava um pouco exagerado nas características, e talvez precisasse de um tempo respirando. Quem sabe se o tivéssemos aberto uns 30 minutos antes? Não sei, sou suspeito, amo o que esse rótulo entrega e já tive a oportunidade de compra-lo na mão de quem faz num evento em São Paulo. Valeu cada instante, sobretudo pelo carinho do casal e pela qualidade do que bebemos. E com um medalhão acompanhado de purê de maçã verde foi bem demais.

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No dia seguinte, palestras em um congresso de Direito e mesa noturna em dois restaurantes. O primeiro deles uma pizzaria. Eu estava cansado, querendo beber de forma despretensiosa, e fiquei na Heineken. Mas amigos queridos optaram por vinhos italianos, simples e aparentemente gostosos. Uma garrafa de Primitivo e outra de Montepulciano D’Abruzzo, escolhas em conta no cardápio e razoáveis na taça – pelo que narraram. Algumas pizzas cortadas em aperitivo e a segunda rodada no restaurante de um shopping grande nos arredores da cidade – mais fora do centro.

Aqui a coisa ficou ainda mais simpática. No Tio Armênio, onde comi bem duas vezes nessa viagem, uma promoção de Cabriz Reserva na garrafa Magnum – 1.500 ml – custava R$ 150. Em cerca de oito pessoas na mesa, conversa e risada comendo soltas, não resistimos. Foram duas garrafas, que casaram bem com um arroz de pato muito bom que escolhi. Fui dormir impressionado com o bem viver, o bem beber e o bem comer dessa cidade, torcendo pra que um dia seja possível voltar, e rezando pra que tudo se normalize entre os pernambucanos vitimados pelas chuvas.

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