Duelos de gigantes foram dois até hoje, com o claro intuito de percebermos o que efetivamente existia de diferente entre grandes vinhos. Em ambos nos concentramos muito no que de fato devíamos fazer com aquelas preciosidades. A primeira batalha ocorreu em maio de 2012, e a segunda em maio de 2016. Como coincidentemente são anos olímpicos, talvez valha manter a tradição e repetir a dose em 2020.

 

As “Olimpíadas” de 2012

O encontro foi bem interessante. Os dois vinhos foram abertos pelo mesmo proprietário, um grande amigo que prometeu promover a brincadeira “em troca” de um jantar feito pela Ka. De um lado um peso pesado do novo mundo. Do outro um monstro francês.

Vindo do Chile o emblemático Almaviva, safra 2004, ao qual pontuadores famosos como RP e WS ofertam 93 pontos. Um vinho feio à base de cabernet sauvignon (mais de 60%) e outras castas, numa associação entre a vinícola chilena Concha y Toro e a icônica casa francesa Château Mouton Rothschild.

Vindo de Bordeaux, mais especificamente de Margaux, um Château Lascombes Grand Cru Classé 2006 – em 2012 talvez ainda jovem para ser consumido. Poucos vinhos são classificados dessa forma – Grand Cru Classé – indicando localização privilegiada nos elegantes terroirs da região. Um vinho feito à base de um equilíbrio entre cabernet sauvignon e merlot, complementado por pequeno percentual de outras uvas.

A “brincadeira” aqui foi bastante simples. Garrafas abertas com boa antecedência e decanter para os dois vinhos por uma razão bastante desafiadora: apenas o dono da casa saberia exatamente qual era cada um dos vinhos. Um creme de mandioquinha, e depois um cordeiro para que os dois se casassem com a comida. Pronto! Divino! Quem venceu o duelo?

2012

 

As “Olimpíadas” de 2016

Aqui o encontro também foi pesado. O objetivo era comemorar meu aniversário de 41 anos entre grandes amigos. Mais uma vez as duas garrafas foram repartidas entre três casais. Um dos vinhos foi apresentado por nós, trazido de uma viagem. O outro pelas donas da casa.

Vindo de Bordeaux, mais especificamente de Saint-Émilion, um Clos Villemaurine Grand Cru 2005. Perfeito para o consumo. Trazido diretamente da vinícola, que visitamos em 2013 sob a orientação de uma senhora mexicana que lá trabalhava e foi extremamente simpática. Uma bela casa, e um vinho feito à base de merlot em 80% de sua composição.

Vindo de Portugal, o vinho que a história conta que acompanhou Pedro Álvares Cabral em sua chegada ao Brasil, com mais de 600 anos de tradição dos produtores. Da Fundação Eugênio Almeida: o afamado Pêra-Manca, safra 2007, que a adega poderia ter acolhido por mais alguns anos. Idolatrado no Brasil, o vinho é feito a partir da aragonês, que fora do Alentejo é mais conhecida como tempranillo, e da trincadeira, exemplar bem português que complementa diversas combinações daquele país.

Os vinhos ficaram um bom tempo com suas garrafas abertas, sendo que o lusitano foi para o decanter, enquanto o francês repousou na garrafa. O menu do dia foi um ossobuco divinamente preparado pela Ka, que desmanchou ao toque do garfo e dispensou completamente a faca. O português começou a ser tomado antes, com uma sopa de abóbora, que levava ainda queijo de cabra e embutidos diversos. Mostrou-se espetacular de saída, e casou muito bem com o prato de carne. O francês veio em seguida. Dessa vez nada de segredos, apenas a coisa certa na ordem que parecia correta. E foi. O entrosamento com o prato principal foi divino, e o fechamento esplêndido se deu entre o tutano e o Bordeaux. Aquela pequena dose de gelatina óssea em contato com um néctar aveludado e perfeitamente aerado. Quem venceu o duelo?

2016

 

O resultado

Nos dois casos os vencedores foram os vinhos franceses. As diferenças, obviamente, são mínimas. Se fosse para classificar empataria os vinhos de Boudeaux, e colocaria o Almaviva em quarto, com o português em terceiro. Não tenho capacidade técnica para dizer o motivo dessa classificação, mas ela se mostra bastante consistente nos sentimentos de praticamente todos os presentes. O caráter aveludado dos grandes vinhos de Bourdeaux, tratados da maneira certa e bem harmonizados, nos conduz por sensações absolutamente especiais. Entre os casais participantes desses instantes “olímpicos”, apenas eu e a Ka estávamos nos dois eventos. E temos a mesma visão: não se brinca com um Grand Cru. Eles são extremamente caros e aparentemente imbatíveis. Fico imaginando o que seria o encontro desses dois vinhos em uma mesa. Que venham as Olimpíadas de 2020!