Estudo de 2020 da Fundação Seade, órgão público paulista, mostra que se o estado de São Paulo fosse um país representaria a 21ª maior economia do planeta, superando a Bélgica e a Argentina, por exemplo. Em relação ao país vizinho, inclusive, as populações são semelhantes e ultrapassam 40 milhões de pessoas. Para além disso, em relação aos demais estados brasileiros, São Paulo é o 16º mais desigual em termos de distribuição de riqueza, o que representa pensar que tamanha pujança gerará realidades bem distintas entre seus habitantes mais ricos e mais pobres. Em resumo, há uma realidade de extremo glamour em São Paulo que chama a atenção.

O mundo do vinho pode simbolizar parte desta realidade, e para além de lojas e restaurantes que comercializam o que existe de melhor no mundo, o território paulista tem conseguido entrar de vez no mapa nacional da bebida. Se ainda há muito o que evoluir nos terroirs mais populares, como São Roque e Jundiaí, em outros o que se produz é de uma qualidade muito acima da média – a despeito dos desafios técnicos, dos altos preços cobrados e da quantidade engarrafada. O exemplo mais consistente vem de Espírito Santo do Pinhal, onde a Guaspari evoluiu tanto que seu vinho de entrada, o Vale da Pedra 2020, foi bebido por nós faz duas semanas por R$ 170 em um restaurante de São Francisco Xavier e se mostrou muito mais elaborado que o colhido em 2015 e apreciado em 2017. Em 2015, inclusive, comprei diretamente na vinícola os geniais Vista da Serra e Vista do Chá por R$ 150 cada um e à época fiquei maravilhado. Hoje se aproximam dos R$ 400 e começo a acreditar que valem o investimento.

Guaspari

Se a Guaspari representa o glamour máximo conhecido no estado, é de se reconhecer que dois outros projetos merecem bastante atenção. Os conhecemos, para além da existência de outras opções, na penúltima semana e ficamos encantados, sobretudo com a estrutura de enoturismo oferecida pelas duas casas. Ambas estão nos arredores da zona urbana de São Bento do Sapucaí, um pedacinho de São Paulo na Serra da Mantiqueira, perto da paulista Santo Antônio do Pinhal e da mineira Gonçalves – parênteses para estas duas localidades. Se a primeira nos encantava faz cerca de 10 anos, a segunda se mostrou infinitamente mais aconchegante em 2023, e Pinhal – não confundir com a Pinhal da Guaspari – está correndo seriamente o risco de se tornar um roteiro turístico caricaturizado e pouco confortável. Mas esqueça isso, vamos às vinícolas.

As duas casas que visitamos são: Villa Santa Maria e Espaço Essenza, que podem ser facilmente definidas como vinícola boutique, sendo o termo utilizado pela segunda em sua comunicação. Anote tais endereços na agenda, mas prepare o bolso para a aventura. A Santa Maria nos recebeu numa quinta-feira. O esquema é muito fácil: mandei um WhatsApp para um número indicado e fui rapidamente respondido sobre as possibilidades de conhecermos a casa. Duas rotinas chamam a atenção: por R$ 15, valor extremamente atraente, é possível ser recebido, caminhar em grupo com um jovem e atento funcionário da casa que explica a história e a produção olhando para os vinhedos, e terminar em uma cave onde barricas de carvalho descansam ao redor de uma linda mesa de madeira em estrutura de extremo bom gosto. A outra opção é pagar R$ 100 por pessoa e depois dessa primeira etapa, inclusa no valor, sentar-se num bom espaço de eventos com cadeiras, receber uma taça e acompanhar a palestra-degustação de um profissional mais sênior que dá um show de simpatia. Ao todo são apresentados cinco rótulos, sendo dois brancos, um rosê, um tinto e um hidromel. Vale? Para quem gosta de vinho, com certeza. E esta foi a nossa opção.

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A Santa Maria tem esse nome em alusão ao universo feminino, e seus rótulos se chamam Brandina em homenagem a figura histórica da família de proprietários. A vinícola começou em 2004, a estrutura de um restaurante exuberante em 2018 e vem aí, nos arredores da sede da fazenda, que não está no local onde fomos acolhidos, um hotel com cerca de 20 chalés. Ao todo são 90 hectares de propriedade, com 25 deles destinados ao plantio das castas brancas Chardonnay, Sauvignon Blanc, Viognier e das tintas Shiraz, Merlot, Cabernet Franc e Sauvignon. A colheita ocorre no inverno, sob a lógica da dupla poda, ou poda invertida, e não existe estrutura de irrigação ou gotejamento. As uvas estavam no pé e chamam a atenção de parte de nosso grupo que desconhecia o tamanho reduzido da uva vinífera, que destoa bastante das suculentas uvas de mesa. Christian, nosso somelier que conduz a degustação, tem um modo muito especial de apresentar os vinhos da casa, apelando para uma experiência em que seu discurso destaca a acidez da bebida, os componentes da casca de cada casta e, de forma muito bem-humorada e informativa, os odores e sabores de cada rótulo. Depois de mais de 100 visitas a vinícolas posso afirmar: um show. Entre os vinhos provados, um bom Chardonnay, um Sauvignon Blanc muito interessante e aromático, um rosê bem feito e um blend tinto que, a exemplo do que acabei de registrar sobre a Guaspari e sobre o que escrevi sobre a Araucária no Paraná, vai melhorar muito nas safras vindouras. O hidromel foi uma surpresa positiva demais, lembrando belos vinhos de sobremesa.

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Terminamos o passeio e, atraídos pelo cardápio, pelo dia ensolarado e pela beleza do local, decidimos ficar no restaurante. Os vinhos partem de R$ 99 a garrafa de um belo espumante extra-brut feito de Chardonnay, que certamente também se tornará ainda melhor com o tempo. Os demais ficam acima de R$ 150, havendo a opção por taças. Nosso brinde então ficou numa boa garrafa de borbulhas e almoçamos uma excepcional porção de doze brusquetas sortidas que estavam maravilhosas. O passeio não é barato, mas absolutamente digno, e a estrutura é lindíssima. Fechamos o roteiro na loja da propriedade, bem montada e conduzida por pessoas muito atenciosas.

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No dia seguinte, uma sexta-feira, foi a vez do Espaço Essenza. Chegamos à casa e nos surpreendemos com uma estrutura menos ampla, menos ensolarada e menos espalhada que a Santa Maria, mas igualmente repleta de bom gosto. Fomos recebidos na loja, onde uma moça etiquetava um blend tinto recém engarrafado. O atendimento foi muito simpático, e nosso interesse por uma visita guiada foi arrefecido pelos valores apresentados: R$ 220 por pessoa para uma ação de explicação da casa somada a uma degustação harmonizada de vinhos. “Um almoço?”, perguntei. Não. Para almoçar o restaurante da propriedade fica no alto dos vinhedos que cercam a casa por onde entramos, e lá conversei com um funcionário extremamente simpático que me informou que existem duas opções de menu: um com quatro pratos e outro com sete a preços elevados, a despeito de a leitura do cardápio dar água na boca. E os vinhos? Não estão incluídos, ou seja, pensando que as garrafas partem de cerca de R$ 150, um casal gasta facilmente mil reais entre conhecer a vinícola, degustar seus vinhos, almoçar e beber uma garrafa ao longo da refeição. Vale? O lugar é bonito e aconchegante, e nossa anfitriã disse que podíamos caminhar pela propriedade sem pagar nada. Ademais, ao lado do restaurante, existem sete bangalôs (ou decks) com fogareiros onde é possível fazer um piquenique com charcutaria da casa e vinho. Aqui a experiência parece que pode ficar abaixo de R$ 250 para o casal, e tais estruturas são extremamente simpáticas. E o que achamos do vinho? Por R$ 220 a prova, por pessoa, ficamos sem conhecer, mas o rosê a base de Shiraz é extremamente premiado. Quem sabe na próxima?

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