Já fui ao Porto quatro vezes. A cidade respira vinho. Primeiro porque tem sua bebida própria, vamos assim dizer. O Vinho do Porto é algo espetacular e diferente. Tudo bem que chegar lá é notar que a uva vem das cidades às margens do Douro, as produtoras ficam em Vila Nova de Gaia e a fama fica no Porto. Mas isso é legal desvendar vendo. Sentindo. A cidade tem um aroma especial, é difícil descrever. Pense num lugar extremamente turístico, gostoso, bonito, acolhedor, agitado e ao mesmo tempo pequeno – cerca de 200 mil de habitantes. Diversos bares, restaurantes, lojas de vinhos, dos dois lados do rio Douro – que na Espanha atende pelo nome de Duero e sua potência vinhateira. Travessia fácil por pontes e transporte público, e quando chegamos dia 31 de março para além do dia lindo, estava ocorrendo uma feira imensa de vinhos, daquelas: pague 25 euros, receba uma taça, e beba o que conseguir. Fugimos. Começar as férias assim é colocar em risco dias de boa diversão.

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Fonte: arquivo pessoal, local onde estava a Feira Essência do Vinho

01 de abril era uma sexta-feira. Vi muita coisa legal no Porto, mas nunca havia entrado numa produtora de “vinho do Porto” – o que não é mentira de 1º de Abril. Exatamente isso: tantas idas ao local, uma fascinação absoluta por este mundo, mas nunca encontrei uma visita que me encantasse. Elas costumam ser pagas, turísticas demais, rápidas, óbvias e muito povoadas. Frase estranha, né? Meio elitista, a despeito da reclamação acerca do pagamento. Peço desculpas. Fui mal aqui, mas gosto de pequenos produtores, de conversas longas. Assim, sempre que passei pelo calçadão de Gaia e suas diversas atrações de enoturismo, resisti às entradas.

Dessa vez definimos que seria diferente. Primeiro porque quase fomos à visita com show de fado da Calem. Sei que isso seria o cúmulo do turismo, mas eu estava sedento por uma boa música. Os horários não agradaram, e encontramos um casal maravilhoso de primos de Portugal com o qual fomos por outros caminhos. Na noite anterior visitamos o bar Capela Incomum, que recomendo demais, mas o fado era quinzenal. Erramos a semana. Paciência. Pois bem, nada de Calem, tampouco de fado. Mas na manhã do dia 01 conseguimos com aquele grande amigo que trabalha numa gigante importadora brasileira a tão sonhada visita tranquila, longa e pouco “turística” na Graham’s. Exuberante. Maravilhosa e produtora de alguns vinhos que conhecemos, o que tornaria o passeio ainda mais divertido.

A sede não fica no calçadão de Gaia. É necessário caminhar pelas ruas tranquilas por detrás de outras produtoras e para além desse logradouro. Passamos a pé pela Ferreira, e deu vontade de entrar, pois um casal de amigos havia visitado recentemente e recomendado. Ademais, a Casa Ferreirinha é do mesmo grupo. Fica para um próximo ano. Seguimos em frente e lá estava uma linda propriedade. Nos perdemos um pouco, talvez de forma proposital, até encontrarmos nossa anfitriã. Laura, uma moça carismática, sorridente, bem-humorada e bastante simpática de Cabo Verde com ancestralidade no leste europeu, que nos mostrou a casa. Uma visita inesquecível em uma companhia extremamente agradável.

A história da vinícola não nos remete a algo tão longevo. As famílias envolvidas não são portuguesas e os negócios começaram com tecidos – que misturado ao vinho me lembrou as aulas de economia clássica e a teoria das vantagens comparativas de Ricardo! A questão é que a Graham’s entrega um vinho incrível, pelas mãos de britânicos erradicados em Portugal, faz décadas. Pelas diversas salas pudemos observar os tipos de vinho do Porto, e o cuidado da empresa com o aguardente que fortifica seus vinhos, as diferenças entre o Ruby e o Tawny – o primeiro envelhece mais na garrafa e menos em contato com a madeira, o segundo passa por tonéis menores -, a lógica das safras especiais dos Vintage e algumas curiosidades, características e experiências. Por fim, um pouco sobre a produção de vinhos no Douro, pois muitas das casas de Vinho do Porto têm suas produções de vinhos finos.

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Na Graham’s não é diferente, e aqui se destaca a Prats & Symington que faz o belíssimo P+S – Post Scriptum e o genial e comemorado Chryseia. Também chama a atenção o fato de que se trata de um grupo de casas, ou seja, à marca Graham’s adicionam-se outras produtoras. Dito tudo isso, a visita com cerca de duas horas chegou ao fim. Terminamos numa sala de provas linda, extremamente bem decorada, num estilo clássico inglês. Algumas mesas tinham garrafas e taças sobre elas, e chegava o momento de uma prova muito generosa e simpática. Laura nos deixou à vontade por alguns momentos. Tempo de tirar fotos, ler rótulos e sentir o ambiente. A paz que o cheiro de uma vinícola me traz é algo que não sei explicar. Provamos cinco portos, quatro programados e um que ela retirou da manga e nos ofertou. Estavam divinos, e com as explicações técnicas de nossa anfitriã, fizeram ainda mais sentido. O Tawny 20 anos é realmente diferenciado aqui, mas o “10 anos” é maravilhoso.

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No final, a loja. Algumas compras e a percepção de que a casa tem um restaurante muito bonito e uma vista para o Porto de tirar o fôlego. O bar ali fica aberto, e já na companhia de nossos primos que foram nos buscar, e lá nos encontraram, percebemos o quanto seria especial um vinho ao entardecer. Dessa vez, findamos fazendo isso num simpático bar na foz do rio Douro, mas fica a dica. Sem qualquer medo de errar, e com a promessa de que voltaremos em breve.

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