Para funcionar bem, um local dedicado aos vinhos tem que ter alma. Não sei se isso funciona para você, mas comprar vinho on-line é bem diferente de ter a garrafa em mãos. E ler rótulos em ambientes aconchegantes e diferenciados é uma experiência bem distinta de encontrar centenas de garrafas empilhadas numa prateleira super iluminada de hipermercado. Posso estar falando besteira, mas se isso fosse mentira alguns mercados não teriam espaços próprios para os vinhos, e muitas lojas não seriam tão especialmente decoradas. Isso tudo pode impactar no preço, sendo que a partir do instante em que passamos a entender um pouco mais da bebida, podemos abrir mão de glamour em nome de abatimentos, tornando-se possível até mesmo comprar novidades, sem medo, pelo universo virtual – a pandemia que o diga.

Outro ponto muito interessante no universo dos vinhos está associado à curadoria dos rótulos. Canso de ir em restaurantes com semblante sofisticado cujo proprietário ou o chef em nada se esmeram no oferecimento de vinhos acessíveis que minimamente instiguem a curiosidade do comensal em sintonia com o cardápio. Já fui a tradicionais cantinas em São Paulo, por exemplo, que só serviam rótulos óbvios de vinhos brasileiros, chilenos e argentinos. Nenhum italiano… Difícil.

Pois bem, para fugir de tudo isso, por vezes encontramos lugares muito especiais. E este é exatamente o caso da Le Bon Vin, que começou como loja em novembro de 2021 na Galeria Augusta Shop e, poucos meses depois, se transformou em wine-bar-shop no mesmo local em versão ampliada. A visita vale a pena e posso apresentar bons motivos para isso. Antes, quero explorar o nome da casa. Lojas, bares e restaurantes chamados Le Bon Vin são comuns pelo mundo, e pesquisa rápida na internet nos leva à Califórnia, Santos, Hong Kong, Belém, Sheffield etc. Também nos remete ao romance de Theodore Francis Powys, “Le Bon Vin de M. Weston”, sobre um vendedor de vinhos que viajava pelo interior do país num Ford. Mas esqueçamos isso, pois quero aqui trazer os motivos que fazem da casa paulistana um estabelecimento único e muito especial.

le bon vin 2

O primeiro deles: a curadoria é muito bem feita e extremamente democrática. Poucos são os lugares assim em São Paulo, capazes de mesclar um Pinot Noir do Oregon com um vinho de entrada de pequena vinícola brasileira, fazendo com que preços variem entre menos de R$ 100 e mais de R$ 500. E aqui está o grande ponto: trata-se de um local capaz de acolher diferentes bolsos, estágios de curiosidade e desejos. E só isso já vale demais, sobretudo se o cliente perder um pouco da timidez e assumir o que pode gastar ao que desejar beber.

O segundo ponto essencial: o local, extremamente movimentado, e próximo de uma das mais pulsantes esquinas de São Paulo – fica a um quarteirão da Av. Paulista com a Rua Augusta no sentido centro – transborda sossego. Parece impossível, mas é verdade. A casa fica numa pequena galeria com dupla entrada. Acessa-se pela Rua Luís Coelho (foto do Google Maps abaixo), mas também pelo interior da Galeria Augusta Shop. Assim, a parte de trás da loja, em relação ao passeio público, é extremamente tranquila. E lá ficam algumas poucas mesas onde é agradável demais beber uma boa garrafa de vinho. Mas atenção: é tudo pequeno e delicadamente adaptado para parecer amplo. A decoração é simpática demais e o charme das garrafas e das cerâmicas utilizadas para servir dão toques muito especiais.

Le Bon Vin

E aqui chegamos ao terceiro ponto: a Le Bon Vin trabalha com seis rótulos especialmente selecionados todas as semanas para serem servidos em taças, com preços especiais às terças e quartas, principalmente. No dia em que os visitei pela primeira vez, em 11 de outubro de 2022 com amigos muito queridos, existiam preciosidades como um alvarinho espanhol de Rías Baixas, o Paco Mulero, um branco grego etc. Perceba: volte ao primeiro ponto e festeje o terceiro. Se a curadoria é bem feita e existem seis garrafas semanais para provas em taças, provavelmente o local lhe oferecerá a oportunidade rara de acessar uma diversidade incrível de excelentes opções. Quando voltei lá pela terceira vez, esta semana, outros seis rótulos estavam bem legais…

Paco Mulero

A partir de tal percepção, chegamos ao quarto ponto: existem comidinhas, todas servidas em cerâmicas belíssimas. A partir de maio a casa deve ter um almoço executivo, mas até aqui existem bruschuettas, pequenas pizzas e algumas porções de queijos e embutidos a preços muito corretos, excelente sabor e plena capacidade de gerar boas experiências de harmonização. Em minha primeira visita, comi pizzas e porções bem gostosas, sendo que depois da aventura pelas taças ainda tomamos uma garrafa do refrescante Pleno, da gaúcha Marzarotto, feito a partir da casta espanhola Peverella, sinônimo da italiana Verdicchio.

Pleno

Termino minhas aventuras, até aqui, pela Le Bon Vin, com os últimos dois pontos: uma equipe de funcionários muito simpática, liderada pelo proprietário, Luiz Valdesoiro, cuja origem espanhola e a formação em engenharia explicam muito sobre o local e; o fato de que se o seu intuito não for entrar, escolher, beber e comer, mas só passar e levar algo na sacola, tenha a certeza de que também está no lugar certo, pois o wine-bar nasceu loja e assim permanece. Atenção, nesse caso, novamente às peças de cerâmica associadas ao mundo do vinho que lá estão à venda. Saúde!