Presos dentro de casa por conta da pandemia, nossas maiores aventuras nos últimos meses se restringiram fortemente ao supermercado, à farmácia, uma viagem para ficar na casa da família em dezembro e outra agora em julho. Cuidados máximos tomados, fomos pra Monte Verde faz alguns dias. Nada do centrinho badalado. Ficamos a 20 quilômetros de tudo aquilo, numa casinha alugada longe de tudo. Levamos comida e bebida. Acendemos a lareira e nos divertimos. Tínhamos esquecido o que era o silêncio quase absoluto, e ele nos acompanhou todas as noites. Lemos muito, jogamos baralho. Acordamos todos os dias depois das 10h. Delícia de vida pra quem se afunda no agito insano. Nada de ver TV, um filme no máximo. Pouca internet, nenhum link para reunião alguma. Genial. Que alívio! Não aguento mais clicar pra entrar na reunião virtual…

Ao longo de seis noites bebemos sete vinhos tintos. Frio combina com esse padrão de bebida, e por mais que estivéssemos em merecidas férias calculei: não dá pra levar essa quantidade em bebidas TOP de linha. Mas por outro lado: vale “estragar” uma noite de férias com vinho ruim? Que dilema! Mas se tenho me esforçado pra ser um cara que sabe comprar vinho barato e tirar alguma coisa dele, eu tinha a obrigação de acertar a mão nas minhas escolhas. E posso dizer com orgulho: foram seis bons vinhos que nos acompanharam de maneira muito correta. Mas não eram sete? Na verdade, o último ganhamos de presente de boas-vindas dos donos da casa. Esse eu vou pular, mas estava bom.

Nossos seis selecionados para o passeio foram, por ordem das noites em que foram abertos:

Dona Jóia – colheita – Portugal – blend português – Douro – Soma – R$ 50

Esteban Martín – Espanha – Garnacha e Syrah – Wine – R$ 50

Lauca – Chile – Carmenere – Maule – Soma – R$ 35

Las 2 Ces – Espanha – Bobal – Utiel – Superville – R$ 39

Anubis – Argentina – Malbec – Mendoza – Soma – R$ 50

Fausto – Brasil – Merlot – Serra Gaúcha – Sacolão – R$ 45

dosces_tinto_2021AnubisEM  fausto

Ao todo foram menos de R$ 270 em vinhos. Média de R$ 45 por noite. E posso dizer: deu certo. Abaixo falo um pouco de cada um. Todos são absolutamente corretos e possíveis de serem bebidos sem cara feia e reclamação. Mas obviamente tem o que agrada mais ou menos ao meu paladar. Consigo separar o conjunto acima em dois grupos: os melhores e os que não voltam.

Os melhores são: Fausto, Anubis, Esteban Martín e Las 2 Ces. Esse último é, seguramente, a maior mostra da relação custo x benefício que conhecemos atualmente. A má notícia é que estive no supermercado onde o compro por esse valor na semana passada, peguei mais duas garrafas e ouvi da responsável pelo setor: a festa está acabando, o preço vai subir e não é pouco. Pena. Mas aqui temos, inclusive, percepções sentimentais sobre o rótulo, pois em fevereiro de 2020 visitamos a vinícola próxima de Valência. O Fausto é da Pizzato, uma dessas casas brasileiras que não erram vinho. A conhecemos em fevereiro de 2019. Dessa linha para cima tudo serve, tudo agrada na casa – inclua aqui espumantes geniais. O merlot da linha Fausto não é nosso favorito, o tannat entrega mais. Mas estava bem redondo e por R$ 45 num sacolão próximo de casa é um achado raro que um amigo querido nos proporcionou. O Anubis tem pedigree, pois é feito pela comemorada Susana Balbo. Trata-se de um tipo de malbec que não me agrada tanto: acho mais intenso e doce que o normal. Sem carvalho algo me incomoda aqui, e prefiro os malbecs de Cahors, na França, que podem ser achados a preços semelhantes no Brasil. Mas indiscutivelmente o vinho aqui estava muito correto e equilibrado. A Ka gostou mais do que eu. Por fim, o Esteban Martín, um blend da região de Cariñena, ali pelas bandas de Zaragoza. A combinação dessas castas é interessante, e se durante muito tempo associamos a Espanha à tempranillo, eu acho incorreto ignorar a pouco conhecida bobal e a versátil e disseminada garnacha – grenache para os franceses. Por sinal, nos três últimos anos, bebemos essas três castas na mesma proporção.

Ficam de fora dessa lista o Lauca, vinho um degrau abaixo, mas comprado a ótimo preço. Aqui falta expressão, falta algo pra ser contado nas rodas de conversa sobre vinho. É simples demais, sem personalidade e óbvio. O mesmo se aplica ao Dona Jóia, a maior decepção da lista, pois tinha preço pra ser melhor do que isso que entregou. Paciência. Aqui temos um Douro simples, sem qualquer esforço de produção que o faça uma bebida para além de “abra e beba a grandes goles”. Há, no entanto, algo que precisa ser dito sobre ele: existe honestidade de narrativa. Trata-se de um “colheita”, o que significa ser um vinho simples, sem passagem por carvalho e enganações. Assim: valeu. Saúde. A gente consegue ser feliz bebendo a baixo custo…