Vamos fazer uma brincadeira: você tem sob seus olhos duas garrafas de vinho e vai realizar uma compra. Pretende gastar menos de R$ 50 e sabe que corre o risco de comprar algo difícil de se beber.

Opção 1 – um português do Douro, a mais nobre região de tintos do país. Numa promoção no supermercado a garrafa de R$ 100 está com 50% de desconto. Safra nova, 2018, carrega consigo a palavra Reserva – destinada a bebidas que passaram por estágio (em barrica de carvalho) segundo a lógica desse local. Seu cálculo imediato: um achado.

Opção 2 – um rótulo todo animadinho, com uns burrinhos ilustrados se divertindo, nada de indicação de safra e uma explicação no contrarrótulo que aponta que o nome do vinho é uma alusão a termo utilizado na Espanha para vinho fácil, sem compromisso, sem sofisticação. “A Galet” seria algo como “de golada”, fácil, ligeiro e sem compromisso. Esse estava um pouco mais barato: R$ 42. Seu cálculo: deve ser bem ruim…

Com qual vinho você ficaria? A imensa maioria com a opção 1. E como aqui tem a questão do gosto, pode ser que a sua conclusão seja diferente da minha. Eu comprei os dois recentemente: o A Galet na Wine por R$ 42 e o Pedra Cavada no Pão de Açúcar do Alto da Lapa, em São Paulo, a R$ 49. Bebemos ambos com algumas semanas de diferença, e posso dizer, um deles é absolutamente honesto, no outro eu senti o gosto da pegadinha – a despeito de ter consumido a garrafa até o final.

Vamos às percepções. Quando um vinho assume que é simples, e que tem uma proposta absolutamente descompromissada, o produtor sabe que terá que cumprir isso com louvor. Dizer que é divertido e despretensioso, e entregar um veneno de rato é algo que dará vida curta ao vinho. O apelo do rótulo é jovem e isso a Europa tem buscado: dar apelo jovial a vinhos baratos para atrair novas legiões de bebedores para uma bebida que está envelhecendo com seu público cativo. O risco aqui: comprar um vinho muito doce, pois a galera gosta de um açúcar. Mas o A Galet está longe disso. Um vinho simples, honesto e que entrega aquilo que propõe: algo fácil, despretensioso e divertido. Valeu a experiência, até porque dele a gente não esperava muita coisa.

A GALET

Fonte: Wine

 

Por outro lado, quando um vinho te diz ser de uma região absolutamente renomada e carrega a palavra Reserva em seu rótulo, por mais barato que seja, fica a expectativa que estás diante de um achado. Muitas vinícolas exportam inicialmente a preços baixos, ganham admiradores e passam a cobrar mais pelos produtos. Estratégias desse tipo não faltam, e imaginei estar diante de algo assim. Ledo engano. Vinho duro, frágil, comum. Pensar que na lógica do “reserva” do Douro já tomei espetáculos da Casa Ferreirinha e de Alves de Sousa, por exemplo – e sei que não podia esperar algo assim, obviamente. Mas queria algo correto, e levei um vinho ruim. Documento da região do Douro me indica algo que passou longe do que encontrei – confira aqui.

Pedra Cavada

Fonte: Continente – supermercado português onde o vinho custa 8 euros, ou seja, pagar R$ 49 em 2021 foi ótimo

 

Fazer o quê? Por menos de R$ 50 eu arrisco sem dó. E posso dizer que tomei risco nessas duas escolhas. Conclusão: desconfie de quem cobra barato em algo que carrega palavras estratégicas que são sofisticadas e caras, como Douro e Reserva, na opção 1. E aprenda que quanto mais honesto com a simplicidade for a descrição do vinho, maiores as chances de ele tentar te entregar algo básico bem-feito. Ao menos é o que percebi aqui e em tantas outras experiências recentes.