Sou de uma geração em que as crianças brincavam em catálogos de brinquedos que os pais dos amigos traziam dos Estados Unidos. Isso mesmo: não eram os brinquedos em si, mas os catálogos. As fronteiras eram fechadas e os produtos inacessíveis. Restava sonhar sobre grandes papéis desdobrados no chão. As alternativas a isso eram óbvias: ir para os Estados Unidos comprar brinquedo, e na década de 80 a ação não cabia no bolso, ou encomendar produtos do Paraguai para os até então tradicionais sacoleiros. Como contrabando, lá em casa, nunca entrou: nada de brinquedo importado. E fui bem feliz com os catálogos e com o que ganhei daqui.

Mas em 1991, ávido por um Walkman da Sony e aproveitando a cota de importação a que tinha direito fui com seis amigos de escola pra Cidad de Leste para uma aventura comercial. Era época de cólera e as mães recomendaram que evitássemos vegetais crus e bebêssemos água industrializada. Viajamos a madrugada inteira, colocamos o pé no local às 8h00 e subimos de volta ao ônibus às 16h00 – tudo sob um frio severo de maio. Programa de índio aos 16 anos, mas foi interessante. A cidade era imunda, ruas de terra, milhares de pessoas pra todos os lados, um verdadeiro vespeiro. No ônibus a convivência com os profissionais da sacola foi um aprendizado. As vivências, as rotinas, as “dicas”, e os pedidos estranhos. “Você pode atravessar isso pra mim na volta?”. Tô fora!

Pois bem, em 2010 eu e a Ka resolvemos ir para Foz do Iguaçu comemorar o aniversário dela. Destino turístico genial, maravilhoso, fantástico. Mas é óbvio que era necessário visitar, uma manhã que fosse, o Paraguai. E sem qualquer sentimento de saudades de minha parte fizemos isso. A cidade fervia como em outrora, mas a terra das ruas já dava lugar ao asfalto. O cheiro era o mesmo. Um calor insano, van do hotel lotada, as mesmas conversas do ônibus de 1991. Mudavam os produtos: o whisky virou tablet, o computador virou notebook. E o vinho? Claro! Já ia me esquecendo do motivo dos nossos encontros. Não era possível confiar muito em qualquer local, então resolvemos ir à tradicional megastore Monalisa (desde 1972). Em 2010 um andar no subsolo era inteiramente dedicado à bebida, com bons preços e elevada variedade, sobretudo de espanhóis, argentinos e chilenos. Compramos um Valduero reserva, um Q Tempranillo (Zuccardi), e obviamente umas maquiagens e um telefone sem fio. E tudo funcionou perfeitamente: o telefone está instalado e ainda toca, a maquiagem pintou e o vinho espanhol agradou – difícil um Ribera del Duero aborrecer. Do argentino esperávamos um pouco mais, mas talvez porque a uva plantada na Ibéria gera resultado diferente da cepa da América do Sul.

O melhor do mundo do vinho, no entanto, estava por vir. E não fica no Paraguai, mas sim na Argentina. A tríplice fronteira que tanto atrai pelas compras paraguaias e pela estrutura turística brasileira tem também o lado dos “Hermanos”. E lá fomos nós para dois destinos: um deprimente e outro excelente. O duty free shop Puerto Iguazu, que se intitulava o melhor do mundo, era um complexo imenso e fraco. Uma quantidade grande de produtos, uns vinhos chilenos e franceses, e preços pouco convidativos. Foi de lá que trouxemos um Pommery Brut Royal, champagne respeitável que nos causou decepção acentuada. Um Los Boldos fraquíssimo, que abrimos em um teste de safras frágil. E uma previsível Freixenet Cordón Negro Brut que bebemos no hotel pra festejar. Paciência.

Mais adiante na estrada, a parada seguinte era a própria cidade. Puerto Iguazu para turistas convencionais (nós!) se dividia em dois blocos. O primeiro, um aglomerado rústico de lojas e bares em madeira que parece uma grande feira de produtos locais mal estruturada. Na época, valeu entrar num restaurante comum e comer empanadas com cerveja Iguana – saudades zero dessa etapa. O taxista contratado do Brasil, percebendo certa decepção, entendeu que deveria nos levar para a outra parte da cidade. Esse segundo bloco, mais elegante, tem belos restaurantes e… e… excelentes lojas de vinhos. O passeio “enoturístico” está exatamente aqui: nas poucas lojas especializadas. Bastou entrar em uma, ser extremamente bem atendido pelo simpático funcionário e a festa se completou. Ao todo foram seis garrafas. Algumas velhas conhecidas que sempre agradaram: Clos de los Siete, Alma Negra, Saint Felicien (edição comemorativa bem gostosa) e um Trumpeter (reserva que causou decepção). Mas dois vinhos indicados pelo vendedor marcaram de forma muito positiva. O primeiro um Escorihuela Gascón branco, feito com Viognier que nos encantou durante muito tempo. A Grand Cru, até mais ou menos 2011, o vendia por menos de R$ 60 – hoje a linha já vai nos R$ 97 e parece esgotada. O outro um pouco mais raro: um Durigutti reserva, etiqueta branca, que tem sido importado para o país e oferecido por cerca de R$ 230. Não acredito que esse preço se repita na Argentina, mas dois anos depois, em novo aniversário da Ka, dessa vez em Buenos Aires, rodamos diversas lojas e nada de encontrar o Durigutti do rótulo branco. A etiqueta preta é mais fácil, mas queria o reserva, e sei onde vou encontrar…

Paraguai

Ps. Para quem imaginou que eu fosse falar de vinhos produzidos no Paraguai, sinto muito. Procurei a bebida e não encontrei – apesar de a FAO afirmar que o país faz algo. O mais perto que cheguei foi o Chila. Um malbec argentino adoçado, produzido pelo ex-goleiro paraguaio Chilavert (aquele que fez vários gols) e destinado aos seus conterrâneos. Sou mais o Rogério Ceni…