O título acima destaca a letra L na palavra polvo para que fique bem claro que de férias não estou muito disposto a falar sobre política. Por enquanto nada de povo, eu quero mesmo é polvo!

Minha passagem por Natal, para visitar a família da Ka, ocorre anualmente. Por vezes em mais de uma ocasião. Antes de nos casarmos eu já era figura comum no estado, pois desde 1978 circulo por aqui. Desta vez, entendo que tivemos a mais gastronômica das viagens. Lagosta, camarão, caranguejo, peixe e, finalmente, o tão sonhado polvo. Em 2018, dia 01 de janeiro, estávamos na Galícia comendo um dos polvos mais geniais de todos os tempos. Ao longo da viagem para Vigo, Compostela e Corunha foram vários. Mas aquele do primeiro dia do ano estava divino. Um hotel simples, com um restaurante modesto em nosso caminho. Bastou! Cansados de caminhar fomos agraciados por aquela verdadeira iguaria. O proprietário nos atendeu de forma tão amável que a Ka não pôde deixar de pedir dicas sobre o ponto perfeito do polvo.

Em meio ao mar, churrasco de lagosta ardendo na fornalha da lancha, mergulho entre grande amigos e aquele polvo foi lembrado. O marinheiro, pescador jovem dos bons, atentou para o assunto e disse que conseguia arrumar um polvo fresco. Consegue mesmo? – perguntamos. Ele garantiu que sim. E dia 31 veio a combinação: “sexta-feira dia 04 a gente vai fazer os quatro polvos que o pescador arranjou. Frescos, maravilhosos, lindos”. Foi a conta. A alegria estava garantida, e lá fomos nós para a casa dos amigos com direito a grande elenco no almoço. Éramos mais de 10, com churrasco, peixe e eles: os polvos.

Na tarde anterior fiquei com a incumbência de procurar os vinhos, pois tamanho achado merecia a harmonização perfeita. Fui a quatro casas em Natal: 1) a Grand Cru, mostrando que não retive mágoas de meu último post, não está mais no endereço inicial e nada se fala sobre ela pela internet; 2) uma loja gourmet fechada em férias coletivas; 3) uma segunda que tinha apenas uma garrafa de Morgadio da Torre pela qual queria R$ 200 – em Lisboa o vinho custa menos de 10 euros no supermercado; 4) a tradicional Adega São Cristóvão, onde comprei meus vinhos. Desisti de ir a Vinhedos, pois os preços na loja do shopping estavam proibitivos em dezembro. No endereço em que encontrei o que queria notei uma loja atacada pela crise. O vendedor disse que antes de o Brasil descer a ladeira econômica os vinhos eram mais abundantes e a média das garrafas mais cara. Tudo bem, pois eu encontrei o que queria. Uma última garrafa de Rolan, obviamente um alvarinho português – não imaginava encontrar albariños galegos com facilidade – e um alentejano a base de Antão Vaz (a nova queridinha sobre a qual escreverei esse ano) e Viognier chamado Reserva dos Clientes. Agora era partir para a festa.

Reservarolan

Fontes: Costi e Terrunyo

Os quatro bichos estavam frescos e perfeitos. Lindos. Dois maiores e dois menores. A receita de “pulpo a la gallega” foi feita seguindo a regra do que aquele senhor nos mostrou em janeiro do ano passado: três choques do polvo em água fervente e um mergulho final de 30 minutos para os pequenos e 50 para os grandes – nada de panela de pressão, pois o galego abomina esse aparato. Panela grande com cebolas cravejadas de cravo (soa irônico esse trocadilho), uma rolha (isso mesmo, e não me pergunte porque) e os dois primeiros estavam prontos. Com uma tesoura eles foram picotados como manda a tradição e receberam muito azeite, sal e páprica. Ficou simplesmente perfeito, faltando apenas o pratinho de madeira. Sabor, textura (que é essencial num polvo) e harmonização. Vamos pra essa parte.

Com o Reserva dos Clientes não teve erro. Estava bem gostoso, com um pouco de corpo e versatilidade em alta combinou perfeitamente com a primeira leva de polvo. As descrições de que entrega algo tropical e frutado combina com o que encontramos, e o vinho de R$ 69 mereceu os elogios destinados a ele. Com a festa perdendo alguns de seus integrantes, resolvemos preparar apenas um dos polvos grandes. E estava igualmente perfeito. Agora a conversa era mais séria, pois abrimos o seu par perfeito: o Alvarinho. Há quem possa imaginar que ideal seria se fosse um espanhol, mas era um português, e com um detalhe: em garrafa de Bordeaux, algo mais raro entre os minhotas que costumam utilizar as alsacianas, e bastante esperado entre os galegos. Foi meu segundo Rolan, e não havia notado que comprei um vinho de 2014. No começo fiquei preocupado com seu envelhecimento, mas logo me lembrei da aula que tive no finalzinho de 2017 na Soalheiro, no norte de Portugal. Por lá começam a apostar que a Alvarinho tem um potencial de guarda e envelhecimento semelhante àquele da Riesling, que quando tem qualidade vai se transformando num verdadeiro mel vinificado. Pois foi o que encontramos em nossa garrafa. O vinho já estava tendendo ao dourado, perdendo suas características originais e esperadas. Mas isso não representou qualquer perda, apenas mudança. Na boca trazia uma carga cítrica acentuada que se abriu de forma mais marcante quando confrontada com o sabor espetacular de nossa receita. Perfeito! E se no frio intenso da galícia levamos nosso melhor polvo com uma refrescante cerveja, no calor extenuante de Natal o nosso polvo se apaixonou por um alvarinho envelhecido de forma magnífica em garrafa. Que tenhamos todos um feliz 2019.

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