A vida pode nos oferecer uma sucessão de bons momentos. Quando isso está associado ao lazer temos um sentimento absoluto de bem-estar. Foi isso o que sentimos depois de quase duas horas pelas estradas do Rio Grande do Sul, saindo do aeroporto de Porto Alegre em direção a São Francisco de Paula numa noite estrelada de lua minguante e céu absolutamente limpo.

Estrada vazia, velocidade constante, alguns trechos sinuosos e chegamos a São Chico. Sem a badalação desgastada de outras cidades da Serra Gaúcha e com um charme encantador em seu entorno repleto de natureza, bons condomínios, restaurantes bacanas e, sobretudo, o Parador Hampel. Uma antiga propriedade transformada em hotel de charme capaz de mesclar rusticidade e uma capacidade extraordinária de receber, acolher e servir bem. Coisa de um casal querido de amigos que prima pelo bom gosto.

Confesso que a frente fria de novembro ajudou bastante na construção de minha narrativa. No final da noite os termômetros mostravam 12 graus, o que serviu para justificar as fogueiras espalhadas por um pátio interno sob uma araucária centenária. Pessoas felizes, um restaurante fervilhando e uma comida divina. Primeiro o bacalhau, depois o arroz de pato em pequenas porções. No final, um sorvete de abóbora que duvidei e paguei a língua. Genial, sendo os dois primeiros capazes de harmonizar perfeitamente com o vinho escolhido.

Pois bem, falemos dele, pois nosso blog não vive de descrever apenas as viagens, ele fala de experiências no mundo dessa bebida genial. E ontem o escolhido tinha que ser nacional, ou melhor: do Rio Grande, tchê! O tempero da terra tende a casar com a uva nascida nesse mesmo ambiente. E para escolher, o barman do hotel se mostrou uma das figuras mais simpáticas do local. Falou de suas habilidades na produção de caipirinhas, apresentou quatro produtoras de cervejas artesanais diferentes e alguns dos rótulos que serve aqui, e fechou nos apresentando o que tinha de vinho local na adega. Dois chamaram muito a atenção: um Almaúnica reserva e uma sofisticada garrafa de Guatambu, talvez o seu topo de linha. Mas para começar o passeio optamos por um singelo Aracuri, vinho fino tinto seco, como diz seu rótulo e não poderia deixar de ser. Varietal de Cabernet Sauvignon datado de 2012 (R$ 72 na loja da vinícola na web), numa prateleira de supermercado teria tudo pra ser esquecido. Nada disso. Aberto se mostrou muito simpático, com uma capacidade singular para dialogar com embutidos, bacalhau e pato. Foi muito bem!

aracui

Fonte: vinícola

Essa simpatia me lembrou a conversa com amigo que entende demais de vinho. Certa vez em casa abri com ele uma garrafa que havia me encantado na Borgonha. Provei e me decepcionei, pedindo desculpas a ele, que emendou: me conte sob quais condições você bebeu esse vinho no seu passeio. Quando terminei de descrever ele me disse: “o vinho não é apenas o que ele te entrega, mas o que você vive em torno dele”, parte de meu prazer não era da bebida, mas da ocasião. Assim, serei sincero em relação ao Aracuri: pode ser que o quarteto que tocava clássicos da música sertaneja em torno do fogo, as pessoas com as quais logo nos enturmamos, a comida divina, o clima de paz e sossego e o sentido de ser bem recebido, acolhido e servido não estejam presentes em uma próxima garrafa, o que pode virar uma decepção.

hampel