Quarta-feira pela manhã estava em Pato Branco, Paraná. Na cidade vizinha, cerca de 20 quilômetros, descobri a Vinícola RH. Nada de recursos humanos, apenas as iniciais dos sobrenomes do casal de proprietários.  Trata-se de um projeto familiar. A mulher envolvida com o universo da agronomia, o sogro criador de gado, e o filho dele, marido dela, profissional da saúde apaixonado por vinho.

O encontro diretamente na propriedade, que está num campo verde e lindo. Preciso abrir um parênteses para o motorista que o aplicativo Garupa me enviou. Vanderlei aparece na tela do celular e a moça do Sebrae que estava me ajudando a chegar na RH diz: “deu sorte. Já andei com ele, é ótimo”. Quando chega percebo que se trata, efetivamente, de alguém diferenciado. Profissional do mundo das compras reorganizando a vida. Uma conversa agradabilíssima. Quando chegamos à belíssima propriedade da RH ele resolve ficar na visita. E com Waner, o proprietário que contatei pelo WhatsApp do site da vinícola, nos divertimos demais.

A casa é pequena, e está sendo organizada para receber ainda melhor seus visitantes. O futuro será ainda mais próspero, e os prêmios se acumularão com certeza. Começamos pelos vinhedos de Chardonnay. Parte fica ali, a outra é vendida para produtoras espalhadas pelo estado. Ainda há um pouco de Pinot Noir utilizada para os espumantes. Por sinal: apenas os vinhos com borbulhas são produzidos, com a casa reconhecendo que esse é o seu negócio. Waner fala coisas interessantes sobre clima, açúcar, fermentação. Cerca de 90 produtores visitados nos últimos 15 anos e sempre aprendo novidades. Olhamos as máquinas, os processos são descritos, entramos na cave e lá está um altar com grandes rótulos bebidos nas confrarias. Tudo cuidadosamente montado, limpo demais, e o orgulhoso proprietário ainda pede desculpas por qualquer sujeira que não existe.

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Fechamos a visita, como de costume, provando. Mais um pouco do merecido brio na fala, mais brilho no olhar. Fico honrado com tamanho carinho, com a divisão sincera de sentimentos e percepções. Que cara bacana. Que energia legal em torno de seu vinho. A produção tem rótulos mais doces, mas o que me encanta são as versões que vão do Brut ao Nature, passando pelo Extra Brut – levei esses dois últimos por R$ 80 cada garrafa e estou feliz demais com o que fiz. É exatamente aqui que a casa se destacou com 90 pontos ou mais em diversos eventos recentes.

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O que Waner abre para provarmos é um Nature, com seis anos, antes da inclusão do vinho de expedição. Tira a tampinha – daquelas de refrigerante e cerveja que fazem parte do conhecido processo – com a garrafa virada ao contrário. Habilidoso, garante grande parte do líquido e me leva a uma experiência inédita. Por dentro eu vibro. O perlage é intenso, o tostado ataca o nariz de maneira sublime. Bebo três pequenas taças, o líquido evolui muito da primeira para a segunda dose, e se mantém muito bom. Estou incrédulo no resultado que encontro no interior do Paraná. A riqueza do solo não combina com o pouco que sei sobre “terra boa” para a uva vinífera. Já havia visto coisa parecida no Alentejo, mas fico orgulhoso de saber que estou no Brasil diante de algo tão bom. O espumante combina com aquilo tudo, nosso anfitrião explica as razões.

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Quando volto do passeio, almoço com os alunos que terei no período da tarde em treinamento ministrado sobre a importância de reconhecermos a política como atividade central em governos. Entre os participantes, dois prefeitos, dois vereadores e diversos secretários de cidades paranaenses. Antes de entrar em sala, mando fotos para amigos de um grupo do WhatsApp, e leio frases ao estilo: “esse sabe viver a vida” ou “vida de novela”. Precisei de três anos de terapia para tomar “coragem” em torno de ações assim durante “o expediente”. Para postar as fotos, para aceitar as brincadeiras carinhosas. Por quê? Simples, porque eu sempre tive vergonha de dizer, a hora que fosse, que eu não estava trabalhando. A doença dos excessos precisa ser contida, e o trabalho era meu vício. Eu não o combati com a aposentadoria, eu apenas tento equilibrar meu cotidiano profissional com um pouco de prazer.

Veja se estou certo: domingo deixei minha casa pouco depois das 14h00. Sequer pude almoçar de forma tranquila com minha esposa. Peguei um carro com um amigo de profissão e fomos para Viracopos. De lá voamos pra Cascavel, dia seguinte oito horas de aulas em conjunto. Na terça, quatro horas amassados dentro de um carro na estrada para Pato Branco. À tarde escrevi parte de um artigo científico, respondi mensagens, tomei decisões, dei aula virtualmente até 22h00 e jantei na mesa do meu quarto de hotel dois pequenos pães com presunto e queijo. Na quarta dei aula a tarde toda, na quinta mais estrada até Chapecó, palestra, voo. Sexta-feira aula pela manhã, trabalho à tarde, gravação de podcast à noite. Sábado: evento anual do CLP, domingo voarei para Curitiba e mais uma semana de ações educacionais no Paraná e no Rio Grande do Sul. Será mesmo que eu equilibro lazer e trabalho? Será que eu tenho que me envergonhar de me dar o direito de visitar uma vinícola na quarta pela manhã? Será que eu tenho que guardar isso em segredo?

Aproveitemos o sugestivo, e coincidente, nome da vinícola: RH. Os recursos precisam ser mais humanizados. As nossas vidas devem ser mais equilibradas. Tenho a sensação de que parte de tudo o que descrevi acima ainda está muito distante dos desafios de minha terapeuta, mas conhecer uma nova produtora de vinhos, dividir fotos com amigos, provar um delicioso espumante com dois caras inspiradores, sendo um deles um proprietário orgulhoso e responsável pelo que faz, escrever esse texto, definitivamente, faz parte da saúde mental que preciso me garantir. O vinho é meu hobby. E o seu? Se cuide. E eu ainda estou a me perguntar se vivo uma vida de novela e sei, efetivamente, “curtir a vida”. Quem sabe um dia?