Dia desses num grupo de WhatsApp de adoradores do vinho nacional uma das participantes tirou a foto de uma página da carta de vinhos de um restaurante e perguntou ao pessoal: “o que vocês escolheriam nessa lista de nacionais? Conhecemos muito nesse grupo, mas esses rótulos aqui não me lembro de termos comprado. Podem nos ajudar?”. E comemorava o fato de os vinhos nacionais estarem entrando nos restaurantes. Concordo plenamente com ela, isso é essencial. Mas ao olhar a foto da carta três coisas me incomodaram demais: os vinhos, os preços e a pouca honestidade de uma frase no topo da carta de vinhos. Vamos lá.

1) A frase: “Vinhos do Brasil tem dois concorrentes: o preconceito e o imposto”. O “têm” aqui precisava de acentuação, mas tudo bem. Vamos em frente. O imposto é ruim para todo lado. Pro nacional e para o importado. Obviamente poderíamos facilitar demais para a bebida produzida aqui, como fazem muitos países, e endurecer para chilenos e argentinos, tendo em vista alguns acordos. Mas acertos desse tipo, certamente, fazem com que em outras nações cidadãos reclamem do preço de alguma coisa brasileira que exportamos. Não vou entrar em detalhes desse tipo, mas imposto e Brasil são duas palavras indissociáveis, e a sensação de alta carga é algo bizarro. Na minha humilde opinião: antes na bebida e no cigarro do que em coisas fundamentais como remédios, livros e alimentos básicos. Mas essa conversa é longa, e muita coisa é mal tributada demais no país. O segundo aspecto aqui é o preconceito. Uma coisa era, antigamente, encontrarmos exceções em um mar de vinhos difíceis. A outra, presente, é pensar que estamos melhorando tanto que a chance de se beber mal escolhendo aleatoriamente rótulos nacionais a partir de uma determinada faixa de preço é baixa. Ou seja: se o preconceito existe, o tempo dele está contado. Na faixa que circula entre R$ 50 e R$ 200 bebemos nacionais incríveis aqui.

2) As vinícolas do cardápio eram muito restritas. E diante delas, o sujeito que selecionou a frase não está ajudando o consumidor. Com todo o respeito: Casa Perini e Vinícola Salton, quase absolutas na lista, para mim estão longe de representarem o que existe de melhor para o vinho brasileiro. Claro que alguns admiradores e tais produtores vão falar em prêmios conquistados etc. Perfeito. Parabéns e boa sorte, mas definitivamente são casas que me entregam menos do que eu espero nas bebidas que aprecio. Assim, a carta era difícil, e nela só se salvava para o meu gosto o que existia de mais caro: uma garrafa de Vallontano – casa pequena e ousada em alguns de seus projetos. A despeito de tal percepção, sei que trabalhar com produtores mais exclusivos é algo difícil em matéria de logística, mas se tivéssemos ali Pizzato, Valmarino, Almaunica, Guatambu, Viapiana, Conti, Venezzia, Grando entre outras, eu garanto que a diversão seria infinitamente maior.

3) Se o problema é preço, e o dono da carta está reclamando disso, ele precisa ajudar. Um Perini não pode custar, na linha Parcela Única, R$ 169 num restaurante. E Vallontano não vale R$ 198. Isso é um assombro. Um verdadeiro susto. Nunca que eu beberia isso, por este valor, em qualquer lugar do mundo. E se a única opção é essa: pago a rolha ou bebo cerveja. Vamos aos valores desses vinhos, destacando que obviamente restaurantes podem comprar com bons descontos junto aos produtores – e nem venham dizer que não. O Vallontano de quase R$ 200 sem taxa de serviço custa menos de R$ 80 em lojas de Caxias do Sul, e estava nessa mesma faixa de preço em desconto na Mistral, importadora que se responsabiliza por sua distribuição em São Paulo e parte do Brasil. O Fração Única da Perini vale entre R$ 89 e R$ 96 na vinícola, e é encontrado a menos que isso em lojas que fazem ótimas entregas a partir de Caxias do Sul. Na Boccatti, por exemplo, acha-se a R$ 79 – e sempre há desconto. O valor de R$ 169 indica praticamente 100% de acréscimo no preço cheio cobrado na loja virtual da vinícola. O Solidário rosê a R$ 120 repete o roteiro, e na vinícola custa R$ 62. Na Salton, o Talento custa R$ 125 na loja virtual, na Bocati R$ 119 e na carta R$ 169. Já o Virtude custa R$ 186 no restaurante e R$ 119 na Boccatti. Aqui temos “duas oportunidades”, com acréscimos de menos de 100%. Mas olhe a lei da compensação, ou de Gerson: o Intenso Chardonnay, infinitamente pior que os dois anteriores, custa R$ 45 na vinícola e é vendido a mais de R$ 160 no restaurante. Isso é um esbulho.

A despeito do quanto o restaurante pague, e ele tem desconto se souber negociar, realmente ao preconceito e ao imposto adicione e ganância ou a incapacidade de montar uma boa carta, formando o conjunto capaz de explicar a realidade. Eu observaria ainda: sem ousadia e com essas opções óbvias, o preconceito, o imposto e a ganância vão fazer com que o estoque se mantenha encalhado ou o vinho nacional continue causando má impressão. Ouvirei do restaurante: você é livre para escolher e eu para cobrar. Perfeito.

Vallontano

Fonte: vinícola