Se eu pedir o nome de um estado que faz bons vinhos no Brasil, provavelmente terei como resposta imediata, de boa parte de quem entende do assunto, o Rio Grande do Sul. Com incidência menor deve aparecer Santa Catarina. Depois disso, virão Pernambuco e Bahia com o Vale do São Francisco, um pouco de Paraná e talvez raridades como Rio de Janeiro, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo. Isso mesmo. É com esse último que quero ficar.

Projetos de vinícolas têm aparecido em todo o Brasil, a despeito de as condições por vezes não serem ideais e desafiarem preceitos que mostram o quanto podemos controlar condições naturais para a obtenção de bons vinhos. Em São Paulo, as regiões de São Roque e Jundiaí talvez sejam as mais tradicionais e antigas do estado, mas confesso que com uvas provenientes desses solos eu ainda não fui apresentado a algo que tenha merecido meus sinceros aplausos – que no limite, nada valem. Dia desses ganhei de um amigo um comemorado vinho de sobremesa são-roquense, o Bellaquinta, feito com Niagra, e por mais que respeitosamente eu tenha entendido o que o produtor tentou fazer, definitivamente não me entusiasmei. Faz alguns poucos anos, outro amigo, motivado demais com os espumantes de Jundiaí, tentou nos convencer de que aquilo que nos servia era bom. Passou longe demais. O que se salvou com boa vontade, durante a pandemia, foi um vinho de Louveira, sobre o qual já escrevi – o Micheletto Shiraz colheita de inverno.

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Mas vamos para o lado mais garantido da coisa. Em algumas serras, nos caminhos de Cunha, e pelas bandas da Mantiqueira paulista têm aparecido projetos ousados, incluindo um enoturismo condizente com o potencial econômico do estado. Em julho de 2022, por exemplo, provamos uma taça de um rótulo da Vila do Vinho, em Cunha, e estava bom. Valeu a experiência de conhecer parte do projeto da casa.

Pelo interior do estado, faz alguns anos, contei que provamos vinhos incríveis da Guaspari, casa que visitei com um amigo querido. A despeito de os valores por vezes assustarem demais, trata-se de algo muito bom, sobretudo nos rótulos Vista do Chá e Vista da Serra, com o Vale da Pedra, incluindo as versões branca e rosê, sendo opções mais simples e interessantes. Há ainda a Casa Verrone, com vinhos que provamos e gostamos, mas que entendo estar alguns passos atrás da Guaspari em propostas bem instigantes.

Vista do Chá Verrone

A mais recente prova dessas aventuras “eno-bandeirantes” ocorreu no Carnaval. Na Sampa Vinhos, loja pelos lados do que chamamos carinhosamente de Baixo Pinheiros, que nos encanta pela diversidade de excelentes restaurantes, faz alguns meses tive a oportunidade de comprar uma garrafa de uma bebida feita em Penápolis. Não conseguia imaginar que perto do calor escaldante de Araçatuba alguém pudesse produzir vinhos, mas como eu disse no início: os desafios estão lançados e muita gente faz acontecer. E foi numa entrevista do dono da vinícola para um jornal do interior que entendi o papel da Embrapa e de muita pesquisa no resultado final do que encontrei. Comprei, guardei e bebi.

Primeiro porque tenho uma amiga muito especial que tem sua família na cidade, e assim me senti tentado a investir R$ 85 num Tannat, em simpática linha chamada Flora Paulista que homenageia árvores que existem no estado. Meu rótulo atendia pelo nome de Jacarandá, mas ainda há o Flamboyant de Cabernet Sauvignon, o Ipê de Merlot e o Quaresmeira de Alicante – nesses dois últimos o produtor me informa que as uvas vêm do Sul.

Ao visitar o site da casa fiquei motivado ao saber que diretamente no produtor meu rótulo custa R$ 65, existe uma política bem bacana de frete grátis e a uva que bebi é plantada na propriedade. Digo tudo isso, principalmente, porque achei a bebida bem simpática. O vinho começou me remetendo a algo desequilibrado, mas poucos minutos depois de aberto e a intensidade da cor trouxe um nariz marcante, com perceptível presença dos sete meses de carvalho americano em uma bebida que merece atenção. Outro ponto muito especial: demoramos duas horas para terminá-lo, e ele não nos abandonou em instante algum. Ficou lá: firme, persistente, vivo.

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Para além dessa sensação bastante positiva, acho improvável, a exemplo do que falei acertadamente sobre vinhos paranaenses da Vinícola Araucária, faz alguns anos, que a Vinícola Ferracini não melhore ainda mais sua produção, a se medir pelo que provei aqui. Dessa forma, duas coisas ficam em minha mente: tentar visitar a casa em uma próxima ocasião em que eu estiver pela região, se eles aceitarem visitantes, e provar as “outras árvores”, dando também oportunidade adicional para esse simpaticíssimo Tannat.