O título inicial desse texto era “Brincadeira interessante demais”, mas as pessoas envolvidas na atividade estavam trabalhando. Assim, por mais que tenhamos levado isso tudo com muito bom humor, leveza e alegria, se trata de algo sério. E foi muito bacana participar disso pela primeira vez na vida.

Mas do que estou falando? Um querido amigo foi contratado para provar alguns vinhos, avaliá-los e compreender dentro de determinadas margens se a bebida valia a pena e a que preço deve ser vendida pelo importador para chegar competitiva no mercado. Estamos falando aqui de um lote grande de vinhos chilenos e portugueses. O primeiro país tinha tudo para me desanimar, e o segundo para me motivar. Mas não importa a origem da bebida, estar em algo assim seria bem interessante e, certamente valeria a pena. Eu estava certo. Foi ótimo.

O convidado principal era um sommelier que trabalha faz cerca de 25 anos com vinhos, e dirige uma loja bastante conhecida de São Paulo. Ele disse que faria o trabalho com alegria, mas desejava ter mais gente que conhecesse de vinho envolvida para dialogar. Não queria um profissional como ele, disse que um enófilo seria o ideal. Foi assim que fui envolvido. Em tempos normais, sem pandemia, talvez pudéssemos estar em ainda mais pessoas. Mas para essa ação, em especial, contamos com três casais, sendo que nas discussões mais intensas ficaram os três rapazes e a esposa de nosso sommelier. Vamos lá. Vamos dividir a tarefa em três blocos.

Primeiro bloco – vinhos brancos e um rosê. O primeiro era Verde com 9,5% de álcool que eu nunca compraria, mas que apresentou duas características surpreendentes: ele não tinha aquele efeito agulha (borbulhas que picam a língua), e estava menos ácido, carregando uma doçura que tenho certeza de que agrada muita gente. Honesto para a proposta. Aqui falamos de algo que tem que sair da mão do importador por R$ 45. Em seguida, um Sauvignon Blanc chileno que deveria custar R$ 38 na importadora. Torci o nariz e sequer quis pegar a taça. Mas quando provei a bebida foi diferente. Nada daquela marcação exagerada nas frutas. Longe de certa doçura artificial que caracterizam vinhos baratos desse país feito a partir dessa casta. Toque mineral intenso com salinidade. Muito simpático. Depois dele um português com Fernão Pires e Arinto do Tejo. Unanimidade entre os quatro: o pior. Em seguida, um Chardonnay chileno que chamei de nem-nem: nem tão ácido como de costume, tampouco tão amadeirado quanto o habitual nas artificialidades que alguns cometem com a casta em contato com madeira. Estava OK. Mas a prova desse já estava contaminada pela ansiedade da garrafa seguinte: um Riesling, isso mesmo, a uva da Alsácia e da Alemanha, num vinho português. E eu já tinha ouvido falar de testes com a casta entre os lusos, mas nunca havia provado. Vinho que sai da mão do importador a R$ 85, estava bem interessante e pode ser equiparado com alguns Alvarinhos simpáticos de Portugal. Proposta bacana, e depois de um tempo aberto revelou tons minerais bem divertidos. Terminamos o bloco com um rosado de merlot do mesmo produtor do Sauvignon Blanc, e nova surpresa. Alguns encontraram páprica, outros falaram em pimentão – o que tem relação direta uma com a outra. Estava gostoso, bem refrescante e com potencial para chegar ao mercado num preço acessível e atraente.

Segundo bloco – composto por quatro rótulos tintos do produtor chileno do rosê e do Sauvignon Blanc. Dadas as experiências anteriores, ficamos na expectativa de tintos bem honestos. Aqui tínhamos: um Merlot, um Cabernet, um Shiraz e um blend de Cabernet com Shiraz. Os vinhos todos eram decentes, não falaram mal de ninguém, não passavam por carvalho e nos deram a sensação de que eram todos rigorosamente idênticos. Desanimamos. Deixamos de lado e percebemos que ali não havia nada que merecesse entrar no mercado para ser mais caro que os “Reservados” da vida. O Shiraz, em algum momento, trouxe aquela “pimentinha” na ponta da língua, mas algo muito discreto. Para fechar esse bloco, um português da mesma linha do Riesling, dessa vez num blend de Trincadeira, Castelão e Aragonez (Tempranillo) que estava bem fácil, mas não causou grande impacto entre os presentes. O famoso: ok.

Terceiro bloco – composto por quatro tintos muito bacanas, dois deles saindo do importador a quase R$ 200, e outros dois na casa dos R$ 100. Aqui os jovens saem da cena e os adultos param para beber. Os dois mais caros foram parar no decanter depois de uma primeira prova. O quarteto era formado por: um português Touriga Nacional (R$ 100), um Carmenere reserva (R$ 100), um blend lusitano de Touriga Nacional, Alicante e Shiraz de 2013 (R$ 200) e um Carmenere reserva de família 2017, acima do anterior (R$ 200). O primeiro vinho era totalmente temperado, uma explosão exagerada de especiarias, herbáceo e caprichado na erva doce. Achei interessante, mas exagerado. A esposa de um amigo diria se tratar de um “vinho canastrão” em alusão à dramaturgia O segundo, bem diferente do que eu esperava. Equilibrado, fácil e bem agradável, bem legal. O terceiro foi o grande vinho do evento para o meu paladar. Bom desde a abertura, se refestelou no decanter, imprimiu potência à vida e se mostrou muito elegante. O último era bem-marcado nos aromas. Achei-o exagerado, muito afetado por uma tentativa de aparecer para dizer que vale quanto custa. Isso pode ser uma característica dos vinhos do novo mundo, e por isso gosto mais da elegância e da discrição das garrafas do velho mundo. Isso não tira o valor desse vinho.

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Fonte: dreamstime.com – foto meramente ilustrativa

Depois de provarmos 18 garrafas de vinho, destaco que para além do caráter divertido e ao mesmo tempo sério, fui entender algo sobre o desafio central do encontro: vale comprar? Vale vender? Qual a estratégia? Quanto vale? Quem se interessaria? O preço final de um vinho para o consumidor varia de acordo com o que o comerciante da ponta coloca de margem em cima, o que depende de vários fatores: do desejo de lucro à estrutura que tem para operar a venda. As conversas giraram muito em torno desse aspecto e achei interessante a existência de um mix entre glamour, relativismo frente a outros tantos rótulos e o efetivo desejo de garantia de uma margem minimamente razoável para quem vai negociar a bebida com o consumidor. Interessante também ouvir algo sobre estratégias de marcas e posicionamentos, bem como as diferenças entre lojas e as visões de seus proprietários. Muito enriquecedora a experiência, e justamente porque tudo isso é estratégico e levado a sério por quem está discutindo e decidindo, não colocarei aqui o nome daquilo que provamos, tampouco de quem provou.