Já disse aqui antes que não tento entender tecnicamente o que a Ka faz com suas misturinhas. Não é essa a parte que me cabe nesse blog. Mas não vou deixar de registrar o que comemos na Páscoa de 2021. O prato estava deslumbrante, lindo, mágico. Lembrou aquelas artes francesas que primam por uma explosão de sabor em meio à sensação de que sairemos da mesa com fome – ou enaltecendo o pecado da gula. Pelo primor eu comeria uns quatro pratos desses, deixando a loucura de lado dois seriam o suficiente. Mas um me fez sonhar. O que vemos na foto é uma cama de carpaccio de pupunha com pesto de folhas e castanha do Pará, ao centro temos uma lagosta. Estava simplesmente perfeito.

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Mas de novo: a mim não cabe observações sobre o que se come nesse blog. Mas sim acerca do que se bebe. E não ficamos um centímetro atrás em matéria de qualidade na taça. Ao consultar minha adega percebi que o Pazo de Señoranz Coleccion 2015 estava em seu tempo certo de consumo. Um legítimo Rías Baixas (Galícia), feito necessariamente da uva mais querida dessa casa: a Alvarinho, ou melhor dizendo, por se tratar da Espanha, Albariño.

Posso começar dizendo: perfeito. Mineral, cítrico mas num equilíbrio que em instante algum deixou transparecer qualquer exagero ou sentimento de aflição ácida. Zero. Trata-se, sem dúvida alguma, de um dos vinhos mais equilibrado que tomei na vida. O que teria sido parecido no universo dos brancos? O melhor Anselmo Mendes bebido até hoje, os grandes da Soalheiro que tomamos e trouxemos de lá, um Riseling de Mosel, o branco de guarda da Abadia Retuerta ou o segundo branco da Tondonia. O nível do meu paladar era esse. E fiquei completamente hipnotizado pelo resultado.

pazo

A ponto de entrar em contato com um amigo que tenho, aquele  que mais entende de vinho. Um monstro das descrições e percepções. Ele me explicou o impacto do oceano no Albariño espanhol que os Alvarinhos portugueses não possuem – o que os faz vinhos incríveis e diferentes uns dos outros. Ao ler o que ele me escreveu pude perceber na prática o que eu tinha à minha frente. Mas o melhor estava por vir.

Cada pequenina garfada que eu dava mesclando pupunha, pesto e lagosta eu sucedia com um gole discreto desse vinho. E a harmonização adquiriu, por cerca de dez a doze vezes, o sentido máximo e sua expressão mais incrível. Posso dizer sem qualquer sombra de dúvidas que foi um dos encontros mais geniais que presenciei entre um prato e um vinho.

Para que fique registrado a parte que me toca: o vinho eu comprei numa loja do aeroporto de Madrid, safra 2015, e paguei à época 25 euros – qualquer coisa a mais de 10 euros na Espanha é um vinho que transcende bem a lógica da bebida simples de supermercado. Aqui no Brasil a Mistral o importa e vende, na safra 2014, por R$ 280,00. Não é algo facilmente acessível, na Europa e no Brasil. Mas se trata de um presente de Páscoa – meu para minha família. Algo realmente especial para ser respeitado e bebido com respeito, cuidado e carinho. Foi o que fizemos.