A lista de países registrada nas minhas anotações de vinhos atingiu ontem 33. Ela vai do óbvio velho mundo, passa pelas volumosas produções do novo mundo e carrega algumas raridades para quem vive no Brasil e está acostumado com um determinado padrão de comércio dessa bebida.

Pois bem, ontem mergulhei numa dessas raridades que dificilmente será vista numa prateleira de supermercado ou mesmo nas lojas mais sofisticadas ou exóticas daqui. Isso porque a bebida vem de longe, e pouco dialoga com algo ao estilo dos asiáticos China, Japão ou qualquer país do leste europeu menos comercializado no Brasil. Meu vinho de ontem veio da Ásia, tudo bem, e seu país de origem faz fronteira com a China, mas também com a Tailândia e o Laos. Vamos lá: estou falando de Myanmar. Você já imaginou beber algo desse país? Eu nunca, mas bebi.

Um amigo querido fez 50 anos em 2018 e se mandou para aquelas bandas, em mais uma de suas viagens geniais. Acho que ele é o cara que conheço que mais desvendou o mundo. E um dia caiu na “armadilha” de postar no Facebook que estava visitando uma vinícola absolutamente inesperada em Shan, o mais amplo estado em termos territoriais em Myanmar. Não tive dúvida do tamanho de minha cara de pau: “traga algo pra gente beber”. E ele o fez.

A vinícola Red Mountain nasceu em 2002 e a partir de então contratou um enólogo francês e começou a levar cepas da Europa para a Ásia. Diversas delas foram testadas, e em 2006 foram produzidas cerca de mil garrafas. O volume em 2012 já ultrapassaria 120 mil delas, tornando a casa uma produtora grande para os padrões locais e inusitados. No site da empresa, bastante desatualizado e rústico, o que vemos são ao menos três tintos, dentre eles o Shiraz Reserva que tomei da safra 2013. No descritivo do exemplar de 2009 fala-se em 10 meses de passagem por barricas húngaras.

Shiraz-09-b

Fonte: Vinícola

O evento em que o abri foi em minha casa, e a Ka não cozinhou exatamente para ele – até porque sequer conhecíamos algo sobre nosso “convidado” de honra. O objetivo era desvendar, e estávamos em oito pessoas. A grande maioria largou o vinho no começo, bastante incomodados com um nariz intenso demais, algo que remeteu a metal, couro, lona de freio, enxofre e tantas outras palavras lançadas no entusiasmo ou na decepção. A boca era menos exótica ou agressiva, mas igualmente desafiadora para alguns: o vinho era bastante ácido, me lembrando alguns catarinenses mais rústicos. Eu, particularmente, gosto. E fiquei praticamente com toda a garrafa para mim. Longe de tentar fazer isso apenas para agradar ou agradecer o presente de nosso querido amigo, confesso que gostei do vinho, e sobretudo do gesto de carinho. Obrigado! Saúde!