Países, regiões controladas de vinificação, produtores de vinhos e suas tradições. Tudo isso finda impactando nos rótulos das bebidas. Em alguns lugares a palavra que se destaca na etiqueta está associada à origem geográfica, em outros casos às uvas. Em muitos deles a casta, ou as castas, sequer aparecem descritas. Muito disso é escolha do produtor, mas também é impacto do conselho regional. Nos vinhos mais baratos, ou naqueles que adotam narrativas misteriosas, é difícil obter certos dados até mesmo na internet. No caso de opção do produtor, tenho para mim que isso ocorre porque não há exatamente um compromisso em dimensionar o que compõe a bebida em termos de variedade de uvas. Estou quase dizendo que se produz com o que sobrou, ou com o que se tem à mão. Nesses casos, não é incomum que entremos no site da vinícola e ela ignore aquele rótulo. Ele não existe. Trata-se, provavelmente, de algo para exportação feito em algum ganha-ganha comercial com importadoras. Um produto que sequer circula no mercado local.

Isso tudo acima é especulação, não tem técnica alguma. É percepção de curioso. E quando recebi o Encostas de Vilar Seco e o Coronel Serpa em casa notei que ambos pertenciam à Caminhos Cruzados do Dão, Portugal. Comprados na Evino, onde adquiro vinhos na faixa dos R$ 50 sem grandes pesquisas e confiando no que leio no site, não dei atenção ao produtor. Quando as garrafas chegaram notei a coincidência e fui atrás das castas para catalogar as garrafas. Nada. Nenhuma informação nas etiquetas.

Comecei então a procurar essa informação no oceano da internet. Pelo que entendi, e a informação não é segura, no primeiro temos Touriga Nacional misturada a outras variedades portuguesas, e no segundo a lista começa com a Alfocheiro. No portal da vinícola notei um projeto jovem, ousado, uma arquitetura bem moderna e muito bacana – a despeito de esses rótulos não constarem. Nas reportagens que li sobre a casa a impressão se confirmou: trata-se de um projeto de fazer, em muitos casos, vinhos bons a preços acessíveis. Minha cara. E a cara de um Dão que parece se reinventar e se posicionar entre as gigantes Alentejo e Douro.

Adicionalmente percebi que a linha de entrada deles em Portugal é a Titular, com vários rótulos. Conheci esses vinhos em 2019, numa feira de portugueses no shopping JK Iguatemi. São muito bons, e por vezes acessíveis. Fiquei motivado com a percepção, e pensei serem esses rótulos adquiridos as garrafas de entrada. Não. Esses vinhos não constam do site – podendo também ser algum projeto descontinuado, ou algo assim.

Abrimos as duas garrafas com um intervalo de um final de semana. Vinhos simples, sem notas de carvalho, algo que é tendência a ser reforçada faz uma década. Mais leve, passa a ideia de que o terroir oferece aquilo, goste ou não do resultado. E gostamos. A 13% de álcool, sem exageros, facílimos de beber, chegam a flertar com algo de doçura que me desagrada, mas a acidez acima da média mostra o equilíbrio que costuma me agradar em vinhos simples. O Encostas é de 2017, o Serpa de 2018. Valeram a pena, e descobri que existe um terceiro rótulo na Evino que será adquirido em breve. A surpresa fi tão bacana que um amigo me pediu sugestão de um vinho de R$ 100 gostosinho e eu logo disse: compre esses dois e faça o teste. Brinque com eles. Ele seguiu o conselho.

 

Serpa Vilar

Fonte: Evino

No supermercado Oba!, uma rede com número bem bacana de lojas em São Paulo, existe uma ótima adega, bons preços e importação própria. Foge-se facilmente do convencional e são eles quem trazem para o Brasil a linha Titular. Foi no estande deles que conheci a série na citada feira de vinhos portugueses em 2019. Pois bem, dia desses fui fazer minhas compras e lá estava o Vinha da Pedra 2017, da Caminhos Cruzados – aqui parece que a primeira casta a despontar é a Tinta Roriz (Tempranillo). Preço semelhantes àquilo que paguei na Evino pela dupla citada e obviamente a garrafa veio para casa. A bebemos ontem. Segue a mesma linha dos demais. Nesse caso, como eu estava mais atento e curioso, notei que o vinho começo um pouco duro. Mas 15 minutos de garrafa aberta e ele entregou uma bebida semelhante às demais. Uma hora depois e era um vinho super equilibrado para o seu padrão de preço e simplicidade. Depois disso começou a cair, mas a garrafa já estava no fim.

Oba

Fonte: Vivino

A despeito da pouca comunicação da vinícola sobre o projeto, o que posso dizer é: todos eles me custaram entre R$ 45 e R$ 50, e por esses valores, diante do que se bebeu, a chance de me reencontrar com eles é absolutamente imensa. Valeu cada taça.