Faz alguns anos viajamos para Portugal e ouvimos de um vinicultor, dono de uma casa muito qualificada, que existia uma preocupação da indústria do vinho com os jovens. O desafio era fazer com que “a galera” se encantasse com a bebida e fugisse de algumas modas que estavam lhes tomando mercado.

Nas últimas poucas décadas passamos por movimentos ao redor do mundo que arrebanharam bebedores de menos idade que poderiam ter descoberto o vinho e partiram para outros voos. Os casos mais emblemáticos são as ondas: das cervejas artesanais, do gim e dos compostos a base de vodka e muito açúcar. E o que o vinho fez pra se salvar?

Parte das respostas estão vivas. Por exemplo: pequenas garrafas de espumante em doses individuais que possuem lá seus seguidores em algumas baladas. Também vimos alguns vinhos um pouco mais doces. Rótulos são apelativos, mas talvez não resolvam tudo o que se espera em termos de gosto. Uma dessas tentativas que parece ter morrido logo, tamanha falta de qualidade, foram os tais “vinhos azuis”. Chegamos a beber uma garrafa, mas apenas pra dizer: provei. Passo fácil. Coisa sem graça. E daquela cor, só se a uva base se chamasse smurf.

Piadas sem graça à parte, faz alguns anos temos visto um esforço novo associado aos vinhos enlatados. A bebida nos surgiu como caminho de marcas bem populares e pouco razoáveis ao universo dos vinhos mais sofisticados. Algo ao estilo Chapinha, São Tomé e coisa parecida. Mas não é disso que estou a falar. Temos visto nos últimos anos vinícolas tradicionais fabricando vinhos finos e os distribuindo em latas coloridas e atraentes. E presta?

Faz alguns anos eu tratei de falar aqui sobre a filha de um cineasta famoso que estava produzindo espumante nos Estados Unidos e envazando em latas chamativas. A Ka trouxe de New York e foi divertido. Serviu para matar a curiosidade. Agora provamos vinhos brasileiros sob essa narrativa. E o que encontramos?

Semana passada fui a Ambev e ganhei de presente de um amigo a caixa com quatro latinhas de 269 ml da Miolo sob o nome Somm – remeta a Sommelier, mas também a música, ao som ou coisas do tipo com toque descolado. Trata-se de uma parceria da gigante mundial das cervejas com a gigante gaúcha dos vinhos. E deu certo? Para nós, em partes, deu.

Do ponto de vista visual as quatro latas que tomamos veio numa caixa descolada, de muito bom gosto, com uma fotografia artística numerada e duas cartas, uma delas em forma de manifesto. Super bacana a narrativa e o conceito do produto. Isso é golaço, pois deu vontade de conhecer.

Optei por colocar o quarteto na geladeira e lá ficou por alguns dias. O time era composto pela lógica completa do mundo do vinho: um espumante, um branco, um rosê e um tinto. Aqui encontramos algo muito difícil para o nosso paladar, dois vinhos simpáticos e fáceis de beber, e um quarto que estava bem agradável e bem-feito. O resultado é bom, sobretudo se pensarmos que não somos o público-alvo do produto. Não somos jovens, e seríamos facilmente classificados como bebedores experientes.

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O espumante, a 7% de álcool e sob a uva Muscat é impossível. Frágil e muito doce, passou longe de nosso gosto por algo entre 11% e 13% e comumente feito de Chardonnay sob a lógica brut. Mas aqui está o grande ponto: esse corre o risco de ser o favorito de muita gente, sobretudo dos jovens que gostam de algo mais docinho no agito das baladas. O branco tem a mesma uva, mas adicionada à Pinot Grigio, que tende a ser cítrica, ficou simpático. A Ka gostou mais do que eu, mas ali tem vinho que passa facilmente. Numa balada, na boca da lata, vai fácil e de forma descolada. Isso esse tipo de embalagem também faz: reduz o excesso de frescuras, tradições e formalismos do vinho. Genial. O mesmo sentimento se aplica ao tinto, que mescla Cabernet Franc e Syrah. Com 13% de álcool deu pra beber fácil. Nesse caso, em especial, eu gostei mais do que a Ka, e entendo que aqui precisaria de uma tacinha. Na lata eu não gostei tanto. Mas é frescura, e não somos o público alvo. Por fim, o rosado. Bem, mas bem equilibrado e decente. Foi super fácil, e cumpre bem a tarefa de refrescar com um pouquinho de corpo. Bacana aqui, no melhor da rodada, que temos o encontro da Cabernet Sauvignon, a uva tinta do Brasil, e a Grenache, bem pouco comum por aqui. Elas casaram bem, e fiz questão de colocar um pouco na taça pra ver a cor. Um rosado com coloração discreta. Passou fácil, e vou dizer: numa festa na piscina eu serviria isso feliz e tenho certeza que agradaria a muitos amigos e amigas. Saúde. E se essa é uma estratégia jovem e que ajuda o vinho a sobreviver, que perdure.