A Rua Simão Álvares, 784, já foi o que poderíamos chamar de um dos endereços da Democracia na cidade de São Paulo. Organizações do terceiro setor, movimentos políticos e projetos com forte inclinação à defesa da cidadania já residiram ali. A Virada Política, que durante alguns anos ocorreu em São Paulo, e o Pacto pela Democracia, se não nasceram ali, ao menos por lá foram planejados. O simpático logradouro é um pequeno condomínio horizontal com semblante de vila tradicional paulistana. Quando coloquei o endereço no aplicativo de mapas para ser levado ao local, confundi com um outro bar perto da Oscar Freire, e me surpreendi positivamente quando chegamos.

A primeira casa, ao atravessarmos o portão, está ocupada por uma escola de luta, mas a casa 2 já abriga o wine-bar Xenê, que faz semanas tem aparecido fortemente em minhas visualizações no Instagram. E o que tanto me agradou e despertou o desejo de conhecermos o local no último sábado? Os vinhos que eles postam nas redes sociais vêm com o preço da taça, da meia garrafa e da garrafa inteira – e tais valores são muito corretos em relação ao que se pratica no mercado. Isso é bom demais, pois o preço cobrado pelo vinho no Brasil ainda espanta o cliente. Acho extremamente honesto saber quanto custa algo que está à venda num universo em que tanta gente cobra o que quer, e como deseja. Uma variedade de rótulos e a divulgação dos preços atrelado à propaganda nas redes sociais nos levaram ao local. Fiquei feliz demais.

Ao chegar lá, surpreso com o endereço que eu conhecia, para além de uma decoração minimalista e das mesinhas colocadas no corredor da vila repleta de cordões de lampadinhas, por onde não passam carros, me encantei com o sistema de escolha e cobrança. Nada de garçons e pedidos. As janelas da casa que dão para a área de circulação onde a maioria das pessoas fica sentada são os espaços para pedidos. Uma janela para as porções e duas outras para os vinhos. No parapeito os cardápios. Simples assim. O atendimento é tranquilo, fácil e até certo ponto rápido. A carta de vinhos é dividida em roses, espumantes, brancos e tintos. Para o caso das bebidas sem borbulhas, subdivisões: corpo leve, médio e vinhos mais potentes. Nacionalidades, castas e valores para todos os gostos, com destaque em letra verde para vinhos mais naturais, e entre os brancos alguns rótulos de vinhos laranjas descritos nesta cor. Começamos de R$ 55 e ultrapassamos R$ 500, ou seja, tem pra todo gosto, ocasiões e possibilidades. O vinho considerado “da casa”, um branco nacional, estava em uma promoção de uma garrafa a R$ 75, e duas por R$ 100.

Em uma das janelas, escolhi e já paguei, R$ 77, por uma garrafa de tinto italiano, o Amerigo Vespucci (com G mesmo) da região de Montepulciano D’Abruzzo, com a casta local de mesmo nome. Recebi minhas taças e ao escolher o local para sentar, nova surpresa. O bar estava cheio, e o barulho das risadas e conversas era grande. Sequer dava para escutar a música tocando baixo. E nova alegria: muitos, muitos jovens estavam no bar, incluindo uma mesa repleta deles. Para algo desse tipo achei a cena inusitada, pois sabemos o quanto a indústria do vinho demanda novos admiradores de baixa idade. A constatação foi bem agradável, a despeito da exacerbação do ruído. Isso, no entanto, foi facilmente resolvido. Se existem janelas, provavelmente há de se encontrar uma porta. Entramos por ela, admiramos a vitrine de queijos, olhamos diversas garrafas conhecidas que decoram a simpática sala e nos sentamos, sozinhos, em um pequenino balcão. A alegria lá fora, o silêncio na parte de dentro. Deu para ouvir a música e conversar com o simpático proprietário que nos atendeu. As taças são pequenas, bem despojadas e sem aquele glamour desnecessário. O vinho era um pouco mais doce que o normal, mas absolutamente esperado para quem conhece o que pediu. Estava bom, e depois de alguns minutos melhorou, sobretudo porque veio muito frio e com seus aromas mais fechados.

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Fonte: arquivos fotográficos do Vivino

Taças cheias, bem alocados, conversa tranquila, foi a vez de ir à janela das comidas, pedir e já pagar por uma porção de pastrame defumado, feito na casa, e queijo pecorino. Foram servidos numa travessa com dois bons pães quentes, um pouco de manteiga, mel e algumas geleias pelo prato. Tudo muito gostoso, com especial destaque para o embutido – perfeito, um dos melhores, se não o melhor, da vida. Genial. Ficamos no local por cerca de duas horas, e 23h00 o estabelecimento se encaminha para o fechamento. Para ir embora, basta se levantar. Nada de conta ou coisa parecida.

Nossa primeira experiência foi num sábado, e na quinta seguinte um casal querido de amigos veio de Natal-RN. Estavam hospedados ali por perto e pediram dica de onde ir. Terminamos lá: eles, nós e mais alguns amigos convocados pelas redes sociais. E aqui a coisa ficou ainda mais perfeita. A casa estava movimentada, mas deu para conversar melhor com o simpaticíssimo casal de proprietários. Ele tem orgulho de decorar a casa com uma camisa da seleção italiana de futebol, enquanto ela, da Letônia, elogia o Brasil e a temperatura de eterno verão de nossa cidade. Dessa vez comi um sanduíche de chouriço com queijo de ovelha que estava genial, enquanto em baldes de gelo trouxemos à mesa três brancos. O primeiro um Desiata, da região da Umbria, a base de Trebbiano que estava muito gostoso, cujos 67 reais cobrados são um verdadeiro achado. O segundo um Pinot Grigio da Cantina Castelnuovo que se apresentou bem demais e valeram os R$ 73 pagos. Por fim, volto no tal “vinho da casa”. Duas garrafas a R$ 100 de um rótulo especialmente envelopado para o Xenê de um blend de brancas do Brasil cuja produção, e os baixos 10,5% de álcool nos remete a cervejas ácidas como as sour. Esse a mesa teve dificuldade de levar adiante, mas eu achei muito refrescante, gostoso, e a Ka até se motivou a beber mais num dia em que estava pouco disposta.

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Fonte: Vine Shop e Carrefour

Termino minhas descrições do Xenê com a certeza de que ainda teremos muitas histórias pra contar nesse local. O negócio lembra muito alguns bares de vinhos que visitamos na Espanha e na Itália, a despeito de alguns textos da internet dizerem que ele remete a bares de Londres – onde nunca bebi vinho, mas tomei cervejas em esquemas semelhantes de cobrança. Em resumo: vá ao Xenê. Escolha, pague, se espalhe e curta o que certamente é uma belíssima e honestíssima casa em São Paulo. Recomendamos demais. Saúde!